Na cidade que me acolheu, como emigrante, está a decorrer a feira/quermesse da Primavera que leva à cidade milhares de pessoas à procura de diversão. Eu que vivia no centro da cidade não tinha mais que abrir a porta e já estava no meio da festa. A zona é eminentemente agrícola pelo que a festa era, como poderia dizer-se aqui, em Portugal, um encontro de labregos. Carrocéis, salsichas e batatas fritas - a loucura dos jovens alemães - e muita cerveja.
Enquanto o álcool não embota os sentidos, há muito namoro também nessa festa, mais tarde já sem controlo dos sentidos só se pensa na bebedeira. Apanhar uma cardina a sério é um modo de fugir da realidade e da vida trabalhosa do dia-a-dia. Eu nunca embarquei muito nessa coisa de beber até cair, pois a cerveja pesava-me no estômago e a paginas tantas já não a conseguia engolir.
Um belo dia, durante a feira de Outono, fui até ao centro da festa e entrei numa cervejaria a abarrotar de gente. Calhou-me em sorte uma miúda de 19 anos, em trabalho eventual, para servir copos aos clientes e motivá-los a esvaziá-los o mais rápido possível. O costume ali era, sempre que o copo ficasse vazio aparecia logo outro cheio e o vazio era retirado da mesa. A base em papel ou corticite servia para apontar os copos bebidos, cada copo um risco a imitar os raios de uma roda de bicicleta, que no fim era apresentado na caixa para pagar a conta. Tinha um amigo galego que só parava depois de ter completado o círculo completo de risquinhos (raios). Para completar o círculo era preciso beber 55 copos e ele consegui-o mais que uma vez. Na manhã seguinte aparecia no trabalho com os olhos em bico. Só era aconselhável fazer aquilo numa sexta-feira, mas ele não ligava a isso.
O que facilitava essa corrida à cerveja era o preço de 0.50 DM. Eu ganhava numa hora de trabalho 6.50 DM líquidos, o equivalente a 13 chopes brasileiros (200 mls), ficava barato encher a cara, embora o baixo teor de álcool desse mais para passar a noite a correr para o urinol que outra coisa. Imaginam um alemão de copo na mão esquerda e pila na mão direita a esvaziar a bexiga? Pois eu assisti a essa cena mais que uma vez.
Os alemães são muito bêbados, mas também muito responsáveis. Como o trabalho é coisa sagrada e respeitar horários é com eles, aos domingos, por volta das 6 horas da tarde, acabou.se a tarefa de emborcar copos. Ir para casa, comer qualquer coisinha e dormir muito, pois o despertador toca às 5 da matina e é preciso saltar da cama bem disposto para um novo dia de trabalho.
Num desses domingos, à tardinha, com a cervejaria a ficar sem clientes, veio a tal miúda de 19 anos sentar-se na minha mesa e meter conversa comigo. A páginas tantas, o patrão disse-lhe que era melhor ir embora que não estava ali a fazer nada. E ela foi. E eu acompanhei-a até casa. E subi com ela as escadas até ao sótão, onde tinha o seu quarto. No Natal seguinte trocámos prendas e ela segredou-me que estava grávida. Que rica prenda!
O ano de 1971 começou com muitas dores de cabeça para mim. Tinha uma mulher e uma filha, em Portugal, e outra à espera de uma filha (soube-o quando ela nasceu), na Alemanha. Como organizar o meu futuro? Escolher uma das duas ou ficar com as duas? Eu não me via a trabalhar como operário metalúrgico uma vida inteira e foi mais isso que pesou na minha decisão que outra coisa qualquer. Nas férias de verão desse ano, fiz a trouxa com os meus poucos pertences e regressei a casa.
Arranjei um bom emprego e por aqui fiquei até hoje. Mas penso muitas vezes o que teria acontecido se eu tivesse decidido de outro modo, ficando lá a criar a filha e enviando apenas uma pensãozita à minha mulher para criar a outra. Só Deus sabe responder a essa pergunta, de qualquer modo não posso rebobinar o filme e escolher outro fim. Paciência!
As vitórias do seu Glorioso avivam-lhe as memórias e despertam em si essa fastástica veia de escritor, que lhe esmorece quando o dito perde ou empata...logo, Viva o Benfica! 😅
ResponderEliminarTalvez! Cada um tem a sua musa!
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