Milhares de portugueses reconhecem, tal como eu, a cidade que a imagem nos mostra. A maior parte, possivelmente, com tristeza por lá terem deixado amigos e terem vivido horas de grande aflição, lutando em defesa da Pátria. Eu escolhi, tive esse privilégio, Moçambique como destino para fazer a minha comissão de serviço e tive o prazer de parar em Luanda duas vezes, à ida e outras duas à volta.
Cada uma dessas paragens tem para mim muitas recordações que não há tempo, por mais anos que passem, que consiga apagar da minha memória. A primeira vez foi em Novembro de 1962, visita que durou 17 dias por conta de uma avaria no avião da FAP que nos transportava até Lourenço Marques. Nessa altura tive tempo suficiente para conhecer a restinga, a bela marginal da Baía de Luanda, o Baleizão, onde se comiam impressionantes gelados ou se bebiam fresquíssimas imperiais, a Ilha da Floresta, onde ficavam as instalações navais que nos serviram, a mim e a todo o pelotão que me acompanhava, de hotel.
E a Mutamba? Quem se poderá esquecer dela se era lá que íamos apanhar o autocarro para visitar os mossecos de S. Paulo? Aquele bairro de caniço viu por ali passar mais militares portugueses que todas as matas de Angola juntas. Quantos bebés mulatos, sem pai que fosse conhecido, terão ali nascido nos 14 anos de guerra. Lembro-me que lá se dizia que branco e preto são filhos de Deus, mas mulato é filho do português.
A segunda vez aconteceu no início de Abril do ano de 1965, no regresso de Moçambique, após 29 meses de comissão. Viagem a bordo do paquete Infante D. Henrique, honra suprema, com paragem em Luanda para fazer aguada (assim se chama a operação de reabastecimento e outras operações que se tornem necessárias à continuação de uma boa viagem). Era Outono no Hemisfério Sul e estava um tempo espectacular. Aliás, para um rapaz de 21 anos, acabadinhos de fazer uns dias antes, tudo era espectacular, sem excepção.
A minha terceira visita foi em Outubro de 1965, apenas 6 meses depois da minha segunda visita, na paragem do navio Niassa (esse ninho de ratos) que me levava de volta a Moçambique para mais dois anos de serviço que voltaram a esticar-se até aos 29 meses, como tinha acontecido na primeira comissão. Essa passagem foi a mais triste de todas, a viagem a bordo do "paquete de luxo" que nos tinha saído na rifa tinha-se mostrado um desastre e a guerrilha travada com o comando da nossa Companhia tinha azedado as relações dentro do grupo. Foi bom respirar um pouco dos ares desta linda cidade para ganhar fôlego para os restantes dias de viagem.
E, por último, voltei ali a parar, em Março de 1968, a tempo de comemorar o meu 24º aniversário com os pés em terra firme. Essa passagem poderia ser catalogada como a mais feliz de todas, pois foi a última vez que pisei solo africano, depois de ter andado quase 5 anos de G3 em punho e ter escapado sem um beliscão. A única nuvem negra que ensombrava o meu horizonte era a certeza que, mal chegasse a Lisboa, seria licenciado da Marinha, por estar incurso no artigo 62 (aquele que diz que não se pode ser promovido nem reconduzido) e não fazer ideia que futuro me esperaria depois disso. A emigração era uma hipótese e ainda me cheguei a inscrever na Embaixada do Canadá, mas aguardo resposta até hoje.
Para terminar a minha crónica deste último dia de horário de inverno, as gruas que se vêem na imagem fazem-me lembrar aquela anedota do viajante que visitando Luanda, pouco tempo depois de declarada a independência, perguntou a um empregado de mesa de um qualquer Café, onde entrou para matar a sede:
- Sabes dizer-me porque há tantas gruas em Luanda, mas não se vê ninguém a trabalhar com elas?
- Porque os portugueses foram embora e levaram as chaves com eles!
Saudades de Luanda onde vivi desde Julho de 1973 a Julho de 1975. Os primeiros 6 meses na Samba, e o resto do tempo no Bairro de S. Paulo, na Av. Paiva Couceiro, num 4º andar por cima do Bazar Oriental, frente à missão de S. Paulo, e onde trabalhei durante 22 meses no Colégio Cristo-Rei dos Irmãos Maristas, na estrada de Catete.
ResponderEliminarAbraço e fique bem
Estive cerca de 6 meses em Luanda. Tempo suficiente para conhecer a cidade de lés a lés. Muitas vezes passei por esse local, Baia de Luando. Mas, não conheci só Luanda, conheci outras cidades de Angola, Nova Lisboa, Silva Porto, Benguela, Lobito, Sá da Bandeira, Moçâmedes, Luso e ainda outras localidade daquele pais, Angola, estive lá 7 anos.
ResponderEliminarBom fim de semana.
Corrijo: Baía de Luanda.
ResponderEliminarUm dia em Luanda deu apenas para conhecer a Marginal e o BO. No entanto anos mais tarde tive a oportunidade de conhecer todos os países vizinhos que faziam parte 'do mapa Cor-de-Rosa' e matar saudades em LM. Talvez seja minha impressão mas sai de lá, sem nunca ter entrado numa palhota, rejuvenescido...
ResponderEliminarTambém, como militar, passei duas vezes por Luanda, na ida e regresso de Moçambique ( 1962 e 1965 ) . Mais tarde, antes e depois do 25 de Abril, estive várias vezes nesta cidade e noutras localidades de Angola . Para mim, Angola, era das Províncias Ultramarinas que mais se identificava com usos e costumes do Continente, embora a minha preferência fosse Moçambique e em particular Lourenço Marques, onde, depois de cumprir Comissão Militar, também voltei várias vezes . Agora, estou admirado com as fotos que parecem demonstrar um marujo solitário, o que não corresponde ao que era suposto e que deixa transparecer o pensamento de algo importante que poderá ter ficado para trás . Em relação ao citado artigo, não deixou de resultar numa bênção e acabou por permitir obtenção de algo mais considerável e, por isso, poder-se-á dizer que há mal que vem por bem . Um abraço .
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