segunda-feira, 30 de março de 2020

Artes manuais!

Obrigadas a ficar em casa, durante intermináveis horas, as pessoas bem podiam, em vez de cansarem os olhos sempre a olhar para o ecran do smartphone, ressuscitar velhos hábitos das nossas gentes.


Tosquiar as ovelhas e fiar a lã faz-se desde os primórdios dos tempos. Sem isso teríamos todos morrido de frio, como aconteceu aos dinossauros. A lã portuguesa não é de grande qualidade, mas sempre dá para fazer uns pares de meias, umas mantas quentinhas e outras coisas que a habilidade das nossas mulheres soube sempre explorar.




Cresci num tempo e lugar que não conheciam ainda a luz eléctrica e os serões passavam-se à volta da lareira e com uma candeia de petróleo a alumiar a cena. Enquanto as crianças dormitavam ou se entretinham com qualquer brinquedo, os mais velhos dedicavam-se às artes manuais dos mais variados tipos. Às mulheres cabia a arte de fiar. De roca enfiada na faixa que usavam à cinta e amparada pelo braço esquerdo (como se vê na foto), giravam velozmente o fuso entre os dedos da mão direita.


Mais tarde, alguém ajudaria a esvaziar o fuso - tarefa que me coube a mim muitas vezes - passando o fio acabadinho de fazer para uma meada, com a ajuda de um sarilho. As meadas eram um meio de trabalhar o fio antes do seu uso final, por exemplo, ferver para eliminação da gordura natural que contém, tingir ou branquear, secar e por aí adiante.


Depois colocava-se a meada nos braços de uma dobadoira para passar o fio para novelos, modo ideal para armazenar até ao seu uso final. Para tricotar camisolas, meias e cachecóis era só pegar e andar.


A minha sogra era uma grande especialista a tricotar camisolas. Lembro-me dela sempre com um saco plástico (nos tempos mais modernos) na mão, onde levava o novelo e um par de agulhas. Em qualquer canto ou momento que se sentasse, pegava nas agulhas e vai de fazer a camisola crescer.



As camisolas poveiras ficaram famosas, um pouco por todo o lado, e são ainda o fardamento obrigatório do Rancho Poveiro que faz furor no Brasil, onde vai passar o mês de Janeiro, todos os anos. Muitas economias do lar, na minha terra, se alimentaram deste negócio de fazer camisolas, na segunda metade do século XX.


Além do tricot, havia também os teares manuais que eram, normalmente, comprados para as filhas, quando se aproximavam da idade casadoira e serviam para tecer tapetes e mantas para a casa dos pais. Mais tarde serviriam o mesmo propósito no seu próprio lar, logo que tivessem marido, filhos e uma casa própria. Para isso era preciso passar o fio de uma meada para canelas, com o auxílio do sarilho, que a tecedeira colocava na lançadeira e assim dar seguimento à sua tarefa.
Viram como eu arranjei trabalho para toda a gente, velhos e novos, e já podem arrumar na prateleira os telemóveis e computadores até melhor altura. Poupam uns cêntimos nos megas que não gastam e talvez, com alguma habilidade, possam ganhar uns trocos nos produtos artesanais que conseguireis fabricar.
Até parece que este vírus deu um certo jeito, não?

4 comentários:

  1. Dizem que a melhor lã vem daqui mas é quase impossível encontrá-la em estado puro sendo quase toda exportada. Cara e com desenhos toscos só turistas chineses a compram…

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  2. O progresso substituiu todas essas artes/costumes pelas novas tecnologias mais fáceis, mais produtivas e mais rápidas e, ainda carecem de nemos esforço humano. Em contrapartida fez disparar o desempego. Criou muita riqueza, mas não diminuiu a pobreza. Boa Segunda-feira. Um abraço.

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  3. Um excelente post. A minha avó fiava a lã assim e com ela aprendi a fazer meias com cinco agulhas. Muitos anos mais tarde, uma tia ensinou-me a fazer camisolas de marinheiro.
    Abraço e saúde

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  4. Desde muito pequeno que comecei a observar diferenças a ter em conta, relativamente à qualidade inerente ao produto em causa, visto que o meu pai era negociante de gado e peles, incluindo lã . Em minha casa, era frequente quantidade considerável proveniente de inúmeros agricultores daquela região que, seguidamente, era transportada para fábricas de lanifícios da Castanheira de Pera, poder industrial considerável e que, infelizmente, pertence ao passado . Recordo, algumas discussões que tinham a ver com a qualidade da lã e classificação de peles e, entre estas, surgia o menor preço a atribuir à lã preta, assim como àquela que consideravam lã-cabelo ; mas, muito sinceramente, não me lembro de pormenores, até porque nunca me entusiasmei nesse sentido, dado que não pretendia enveredar por tal negócio, o que desagradava ao meu pai . Também tenho ideia de haver senhoras a fiar lã e de pequenas tecelagens, embora sem grande expressão . O que é certo é que a lã, naqueles tempos, também fazia parte da subsistência de muita gente ligada ao mundo rural . Um abraço .

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