domingo, 4 de julho de 2021

Oh, shit! Who am I?

Desculpem lá o título em inglês, mas soa-me melhor que em português. Oh, merda! Quem sou eu? Convenhamos que em inglês soa muito melhor e nem cheira mal nem nada!

Resolvi falar-vos hoje desta doença que é uma verdadeira praga, estou a aproximar-me dos 80 e essa é a barreira que uma vez ultrapassada nos garante uma entrada directa no mundo dos "esquecidos". Demência senil ou Alzheimer confundem-se facilmente e poucos escapam de uma delas depois de transporem a barreira dos 80 anos de idade. Falo agora porque essa ideia pode varrer-se-me da memória depois.

Tenho um amigo e camarada fuzileiro com quem mantenho um contacto permanente, uma chamada telefónica por mês, no mínimo, e um, cada vez menos frequente, encontro anual para um almoço-convívio em que tentamos reforçar os laços que nos ligam desde o Juramento de Bandeira, em Vale de Zebro. Ele fez 80 anos, na primeira semana de Fevereiro, e é o primeiro caso que me faz pensar nas estatísticas desta doença. E digo isto porque não me parece normal que ele repita a mesma história que já me contou uma dezena de vezes em telefonemas anteriores. Não quero que pense que perdi a paciência com ele e continuo a ouvi-lo sem dar um pio.

O segundo ponto de referência que me faz temer que essa doença me atinja e me faça esquecer de vocês todos que me têm acompanhado ao longo da minha vida, é aquilo que se passou com os meus antepassados, mais concretamente antepassadas, pois se trata da minha mãe e da sua mãe e avó. Essas três mulheres de quem carrego a herança genética (nenhum sinal me liga ao lado paterno) todas acabaram por sofrer, em maior ou menor grau, dessa maldita doença.

A mais velhota das três, Eusébia, nasceu em 1852 e faleceu em 1939, 87 anos de uma vida atribulada. Mãe solteira, já depois dos 30 anos de idade, viria a casar-se 10 anos depois, já de novo grávida de uma filha que viria a ser a minha avó materna.. Perdeu a tramontana, por completo, antes de chegar aos 80, e para piorar as coisas apareceu-lhe um cancro da mama que lhe abreviou a triste e dolorosa existência. Viveu com a filha, desde que enviuvou e ajudou a criar a sua neta que viria a ser minha mãe.

A minha avó, Maria de seu nome, nasceu em 1890 e faleceu, em 1970. Foi ela quem me criou, por ausência forçada da minha mãe, e esperou que eu regressasse a casa, depois da Marinha e Guerra do Ultramar, para entregar a alma ao Criador, para que eu a pudesse acompanhar até à sua última morada. Não posso dizer que a doença de Alzheimer a tenha incomodado muito, pois foi o cancro da mama que lhe fez a vida num inferno, nos últimos 10 anos da sua vida. Sofreu a bom sofrer e só pedia a Deus que a libertasse daquele sofrimento o mais depressa possível. Ah, ia.me esquecendo de dizer que também foi mãe solteira e a minha mãe a sua única filha.

Rita, filha de Maria e neta de Eusébia, nasceu em 1916 e faleceu em 2010. Foram 96 anos de uma vida cheia de tudo. Muito trabalho, muita miséria, muitos filhos, muitos netos e bisnetos e muita alegria por vê-los a crescer à sua volta. Aos 86 anos de vida enviuvou e com a perda do marido começou o lento calvário da famosa doença que ela tão bem conhecia, da convivência com a sua avó, a tomar conta do seu cérebro. Primeiro começou a esquecer-se do que andava a fazer, acendia o fogão a gás para cozinhar o almoço e saía para a rua sem lhe pôr um tacho em cima. Ou começava uma tarefa e depressa mudava para outra, sem completar a primeira.

Depois de passar os 90, já não vivia connosco, lembrava-se apenas dos seus primeiros 10 anos de vida e insistia connosco para a levar de volta para a casa onde tinha crescido. Eu que conhecia a história com todos os pormenores e o nome das pessoas com quem ele tinha privado, dava-lhe corda e deixava-a navegar nas ondas do seu passado, onde se sentia feliz. Não conhecia filho nem filha e odiava ver tantas caras estranhas à sua volta. Foi um grande alívio (pelo menos para mim) quando a vi partir deste mundo, viver assim é um castigo que não desejava para ela e muito menos para mim (se vier a ser apanhado nessa ratoeira).

Portanto, já ficam informados, quando eu começar a repetir as coisas que já vos contei mais que uma vez (como faz o meu amigo fuzileiro), desconfiem da coisa e preparem-se para a nossa separação que será inevitável.

Bom domingo e protejam-se do Corona Delta Plus, senão perdem o direito a conhecer o Dr. Alzheimer!


5 comentários:

  1. Tirando o assunto do futebol que para mim é sempre o mesmo... nunca topei nada repetido. Boa saúde!

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  2. Dizem que não há uma sem duas nem duas sem três, mas para-se por aí. Ora assim sendo mãe, avó, bisavó são três gerações, o ciclo já se cumpriu. Demais eu conheço muitas gente bem acima dos oitenta e até noventa que estão tão ou mais lúcidos que muitos jovens. Esquecer algumas coisa é normal com a idade e o stress normal da vida. Não quer dizer que se vá sofrer de Alzheimer ou de senilidade por isso. Meu marido apresenta algumas brancas, e preocupada na última consulta ao neurologista comentei com ele. E ele disse-me que era absolutamente normal dado a idade e o AVC que sofreu. No entanto mandou fazer exames, e mais mandou fazer consulta e testes com uma psicóloga. Tanto os exames quanto o relatório da psicólogo deram resultados normais, embora a psicóloga tenha aconselhado a que repita os exames dentro de um ano para ver se houve alguma alteração.
    Então vamos lá sorrir e deixar de pensar em coisas tristes. Até porque alguns especialistas dizem que o nosso cérebro tem tendência para ir buscar aquilo que mais tememos.
    Abraço, saúde e bom domingo.

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  3. Boa tarde
    Para levar a coisa a brincar é melhor ter Parkinson pois é sempre melhor beber meio copo do que esquecer onde está a garrafa

    JR

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  4. Desde que haja saúde, a vida é bela. Sem ela a vida é um martírio. Ontem tinha esperança que o dia de hoje fosse melhor do que foi o dia ontem mas não foi. Por isso já perdi a esperança que o dia de amanhã seja melhor do que tem sido o dia de hoje.
    Digo isto porque o problema que tenho numa perna não dá sinais de melhor. Consultei um médico, mandou-me fazer exames, depois de os ter examinado disse-me o problema é da idade e já não tem cura.
    Não convencido consultei outro médico, mandou-me fazer exames, depois de os examinar disse-me o seu problema já não tem cura. Ouvir uma notícia desta é que é, mesmo, uma grande merda!

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    1. A mim têm-me sempre dito que não sabem o que é, que deve ser mania minha. Já fiz meia dúzia de exames e nada. Lá para o fim deste mês vou fazer uma ressonância magnética e depois desisto, já não tenho paciência para mais.

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