quinta-feira, 8 de julho de 2021

Entretanto ...!

 Enquanto a imprensa e restantes meios de comunicação nacionais se entretêm com o Benfica (e o LFVieira, claro) eu vou dar uma volta até Bruxelas. E já agora, se não se importam, vou a (de) cavalo!


O cavalo Belga, ou cavalo de tração Belga (draft), é também conhecido como Belgian Heavy Horse, Brabançon e Brabant. É uma raça oriunda da região de Brabant, na Bélgica, onde é chamado Cheval de trait belge. Seus exemplares estão entre os mais fortes das conhecidas como raças pesadas.


Parece-vos estranha a minha escolha? Ou acham que perdi o juízo? Nada de precipitações, eu explico.

O meu primeiro emprego, depois de 6 anos de Marinha, foi exactamente igual àquele que tinha, quando decidi alistar-me, "apontador de produção". Era uma espécie de tarimba para vir a ser empregado de escritório, mais tarde (às vezes era tão tarde que os aprendizes desanimavam e partiam para outra). Assim me aconteceu da primeira vez e voltou a acontecer da segunda. Trabalhei um ano inteirinho e não ganhava o suficiente para dar de comer à mulher e filha (o meu agregado familiar do momento) e por isso decidi pôr-me na alheta.

Fui a casa dos meus sogros, entreguei-lhe a filha e a neta e pedi-lhe para olharem por elas durante uns tempos, enquanto eu ia à procura da minha sorte. Havia um vizinho que se tornara meu amigo e tinha regressado, há pouco tempo, da Bélgica, onde tinha passado quase toda a vida e criado os seus filhos (mais ou menos da minha idade) para que eles não fossem obrigados a ir para a tropa e alinhar numa guerra que não lhes dizia nada. Refiro-me aos filhos, porque o pai era um anti-salazarista convicto e a PIDE já lhe tinha chegado a roupa ao pêlo mais que uma vez, por isso a decisão de ir viver para Bruxelas. Garantiu-me ele que eu arranjaria emprego na Bélgica, sem qualquer problema.

Não há dúvida que ele conhecia bem aquilo e gizou um plano que deu 100% certo. Dizia ele que nos 15 dias antes do Natal todo o navio que entrasse no porto de Antuérpia se via confrontado com um problema difícil de resolver. Os marinheiros queriam ir passar o natal com as famílias e, como o comandante os não autorizava, eles desertavam e não compareciam na hora do embarque. Os comandantes dos navios afectados por este problema tinham que recorrer a contratações de ocasião para suprir as faltas, pois chegada a hora de zarpar tinham que o fazer, pois não podiam continuar encostados ao cais. Assim era só ficar por ali a zanzar e aproveitar a melhor oferta. O filho mais velho acompanhar-me-ia até Antuérpia e ensinava-me a dar os primeiros passos.

E assim foi, no dia 30 de Novembro de 1969, dirigi-me ao meu patrão e enchi-lhe as orelhas de quantos impropérios me lembrei de deitar pela boca fora. Que queria o dobro do salário que me estava a pagar ou me iria embora. Prometeu-me um aumento de 20% ,as eu respondi-lhe: - o dobro ou nada!

No dia seguinte já ia num autocarro a caminho de Paris, de onde segui para Bruxelas de comboio. O Francisco (assim se chamava o filho do meu vizinho) recebeu.me muito bem e cumpriu tudo aquilo que o pai lhe pedira. Arranjou-me alojamento em Bruxelas, pagou-me alguns jantares (para aliviar as minhas finanças) e acompanhou-me até Antuérpia, por volta do dia 15 de Dezembro. Levou-me à Stela Maris, lugar onde eu deveria passar a maior parte do tempo, quando não estivesse no porto, e a uma pensão, propriedade de um lisboeta seu conhecido, onde eu poderia ficar alojado por um preço baixíssimo (de amigo).

Ali fiquei e comecei a rondar os navios no cais (deveria dizer nos muitos cais) do porto de Antuérpia, à espera de encontrar o tal navio que haveria de levar-me à felicidade. Faltavam dois dias para o natal, já as minhas economias estavam pertinho do fim, e apareceu um navio que precisava de dois marinheiros (moços de convés) para se fazer ao mar. Eu e um brazuca do Rio de Janeiro resolvemos aceitar o desafio e apresentamo-nos ao capitão. Ele avisou logo que tínhamos que decidir na hora, pois queria zarpar antes da meia-noite. O navio era um ferro-velho, a tripulação com que nos cruzámos tinha cara de ser um monte de foragidos da justiça, ao mesmo tempo que o salário prometido pelo comandante não era grande coisa. E já nos tinham avisado que era normal o comandante reter o pagamento dos primeiros três meses para evitar que os marujos o abandonassem no primeiro porto.

Eu e o dito brazuca, já não recordo o nome dele, olhámos um para o outro tentando adivinhar o que nos ia na alma e, encolhendo os ombros, demos um passo em frente e entregámos os passaportes ao comandante que os fechou no cofre, de imediato. Viemos a terra buscar as nossas coisas e pagar as nossas contas ao lisboeta que nos tinha albergado, durante a última semana e qual não foi a nossa surpresa quando ele nos disse: vão em paz e pagarão a vossa dívida na próxima vez que passarem pelo porto de Antuérpia.

Agarrámos nas trouxas e voltamos ao navio, ocupando as instalações que nos foram distribuidas a bordo. Estávamos prontos e muito ansiosos pelas manobras de desatracação do navio, mas, de facto, nunca chegámos a partir. Mas isso é outro capítulo da história que não cabe aqui e ficará para outra altura. Ah, quanto ao cavalo que vêem na imagem é de raça belga e cruzei-me com muitos dessa raça que puxavam as carroças de mercadorias de e para o mercado da capital belga. Um animal impressionante!

6 comentários:

  1. Bom dia Amigo ! Por casualidade trabalhei no Centro Cultural Belga " Centre Wallonnie Bruxelles " em Paris, na funçao de contabilista , onde tive o previlegio de contacter com varios artistas belgas !
    Bom fim de semana e atençao a "bicharada" que ataca a partir das 22h30 e 5 da manha .

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  2. De Fuzileiro a Manobra... que venha o próximo capítulo.

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  3. Pelo que relatas não encontraste por lá a galinha dos ovos de ouro? Nem ao menos vieste montado no cavalo. Conseguiste dinheiro para pagar a viagem de regresso a Portugal ou vieste à boleia?

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  4. Boa tarde
    Afinal não há falta de matéria para publicar

    JR

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