sábado, 13 de abril de 2024

A minha guerra!

 

Há 50 anos praticamente estão prometidas diversas regalias e o que acontece é que quando foi aprovado em 2020 o Estatuto do Antigo Combatente, só foi aprovada uma mão cheia de nada”, defendeu António Araújo da Silva, dirigente do Movimento Pró-Dignidade ao Estatuto do Combatente, em declarações à Lusa.

O movimento pretende ser recebido “o mais urgentemente possível” pelo ministro da Defesa Nacional, Nuno Melo, e quer alertar para a “revolta” destes antigos combatentes.

“Com mais de 70 anos, como devem compreender, estamos carregados de problemas graves de saúde. Se não tivéssemos ido à guerra não teríamos motivo. Muitos dos meus camaradas vieram de lá com graves problemas de saúde e estão cá e quem é que lhes vai pagar a medicação?”, questionou António Araújo da Silva.


Começo o meu texto com uma declaração de interesses. Contrariamente àquilo que se diz acima, eu não trouxe comigo grandes traumas da guerra, nem preciso de ajuda para pagar os medicamentos que tomo. Sorte minha ter feito a tropa na Marinha e não no Exército e ter tido uma carreira profissional que me garantiu o rendimento suficiente para viver sem preocupações financeiras.

Os fuzileiros portugueses dividiam-se em duas categorias, os navais e os especiais. Cada categoria tinha a sua formação adequada à missão que iam cumprir, os primeiros garantindo a segurança das Unidades de Marinha em que prestavam serviço e os segundos combatendo os guerrilheiros das forças de libertação em cada um dos 3 teatros de guerra. A formação dos "Navais" era mais aligeirada e a dos "Especiais" muito mais exigente, do ponto de vista físico.

Isto não quer dizer que os FZN nunca iam ao mato, pois ei fui lá várias vezes e ouvi as balas zumbirem-me à volta da cabeça. Por seu lado, os FZE passavam a vida no mato, calcorreando quilómetros e quilómetros para procurar, emboscar ou eliminar o inimigo que nos massacrava com salvas de morteiro e colocação de minas terrestres em tudo que era caminho. A maior parte das suas missões demoravam um dia e uma noite, depois descansavam 24 horas e podiam ser obrigados a sair de novo a qualquer hora, tudo dependia do objectivo da missão.

Os traumas de guerra eram provocados pelo medo, pela ansiedade e pela visão de camaradas mortos ou estropiados. Felizmente, não vivi nada desse género e os mortos e feridos que me passaram pela frente dos olhos foram um sipaio que nos guiava ao encontro do inimigo que morreu com um tiro nas costas e outro na cabeça e um camarada do Exército que estava comigo num pequeno grupo e ficou sem as duas pernas num rebentamento de mina anti-pessoal.

Na minha primeira passagem por Moçambique, já o meu tempo de comissão tinha expirado, quando o terrorismo, finalmente, rebentou. E m Angola e na Guiné já a guerra ia longa e nós, na costa oriental de África à espera que a Frelimo se decidisse a avançar. Aconteceu na última semana de Setembro de 1964 e foi nessa data que eu recebi ordens para avançar para a frente de guerra. O nosso regresso à Metrópole ficou adiado por seis meses e, metidos num Nord Atlas da FAP, rumámos a Metangula, no Lago Niassa, onde a Marinha tinha construído, no ano anterior, uma Base Naval para substituir o velho Posto de Rádio que ali funcionava, desde o início do século XX. A nossa missão era defender do inimigo essa importante Unidade de Marinha que ficava a muitas centenas de quilómetros de qualquer cidade moderna e civilizada.

De 1962 ao fim de 1964, a CF2 (Companhia de Fuzileiros Nº 2) era a única força de fuzileiros nessa antiga colónia portuguesa. Em Dezembro de 1964, chegou a Porto Amélia o DFE1 (Destacamento de Fuzileiros Nº 1), comandado pelo Tenente Max Fredo, conhecido oficial de fuzileiros que esteve ligado à inauguração da Escola de Fuzileiros, em Vale de Zebro, e, em Março de 1965, a CF6, comandada pelo célebre Tenente Patrício. Isso permitiu que a minha CF2 regressasse a Lisboa, em Março de 1965, numa inesquecível viagem a bordo do Infante D. Henrique com passagem pela cidade do Cabo, Luanda, Ilhas Canárias e Madeira.

Seis meses depois, estava eu de regresso a Moçambique e nos dois anos que se seguiram vivi mais um ano na capital, garantindo a segurança do Comando Naval e da Estação Radionaval da Machava, seguido de outro ano nas matas do Niassa, período em que fui várias vezes para o mato, em apoio aos meus camaradas do DFE5 e DFE8 que andavam em perseguição dos "turras", do extremo norte, fronteira com o, então, Tanganika ao extremo sul, na fronteira com o Malawi, alguns quilómetros a sul de Meponda (ou Porto Arroio, se preferirem o nome português que nunca pegou). A operação mais longa em que participei foi um pouco a norte de Meponda e durou 17 dias e 17 noites. O trauma que guardo dessa operação foi ter sido alimentado a ração de combate e água do lago.

E falando de rações de combate, quero lembrar que aquelas bolachas duras como madeira foram inventadas para alimentar os navegadores dos Descobrimentos, nas suas longas viagens à vela e eram produzidas nas instalações da Marinha de Vale de Zebro, onde, em Setembro de 1961, foi instalada a Escola de Fuzileiros. Quem conhece a história sabe dos «Moinhos de Maré» que havia na margem direita do rio Coina e serviam para moer o trigo usado nessas bolachas ou biscoitos, como também eram chamadas. A lagoa que formava o malagueiro em que os fuzileiros se treinavam, não era mais que uma represa de água que enchia com a maré que subia pelo Tejo, até ali, e despejava nas seis horas seguintes para fazer girar as mós dos moinhos.

E para finalizar, se tivesse pernas para isso iria até ao Porto juntar-me à manifestação, como não tenho vou limitar-me a acompanhar a coisa pela TV.

E deixo aqui um abraço a todos os combatentes da Guerra Colonial que, por mero acidente, passem por aqui !!! 


5 comentários:

  1. A verdade é simples e falo por mim: fui voluntário para combater o socialismo. E que me deram os socialistas nestes 50 anos? Nada!!! E que esperava eu dos socialistas se fui voluntários para os combater? Nada!!! Portanto em vez de irmos agora depois de velhos fazermos demonstrações completamente inúteis acho melhor VOTAREM no único partido que nos tem mencionado na AR. E aprofundando melhor este drama: tanto socialistas como sociais que comungam da mesmíssima ideologia querem - é ver-se livre dos ex:combatentes que restam - que só dão despeza e chatices.

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  2. Surpreendido com uma das fotos deste post. Havia anos que não via uma G3 com tanto detalhe / tantos pixels.

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  3. Eu fui incorporado como voluntario a 13/03/1962, depois de 11 meses consecutives de instruçao, a 28/02/1963 desembarquei no aeroporto Craveiro Lopes em Luanda ( pertencia ao 4* DFE .
    Resumindo : fiz mais outra comissao em Angola seguida de uma em Moçambique incorporado na 4* companhia de Fuzileiros
    Em abril de 1970 passei a disponibilidade e em fevereiro de 1971 emigrei para França onde permaneci 45 anos . Certamente nao preciso de ajuda do Estado , mas apenas me sinto roubado e me encontro num pais gerado por merda ( ver Gatunagem - corruptos e arrogantes ) . Pago 4500 E de IRS sem
    ter a minima proteçao de saude !
    Coragem amigos e força para lutar contra estes Tubaroes e taxistas que se apoderaram eternamente do taxo .

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    1. Já agora, filho da escola, qual era a Unidade de Fuzileiros em que fizeste a segunda comissão, em Angola?

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    2. O 13 *, sendo o comandante o 1* Ten. Pestane dos Santos .
      Boa semana e atençao ao O. M.

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