sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Bruxos, bruxas & C.ia!

 


O irmão mais velho da minha mulher sofreu uma embolia e só não morreu por milagre, ou porque chegaram ao hospital a tempo de o safar. Mas ficou, totalmente, incapacitado. Ele não andava, não falava, nem tão pouco sabia quem era. Passou um ano em recuperação motora, entre Alcoitão e uma clínica na Suíça. A sogra dele era rica e fez questão de arcar com todas as despesas, de outro modo talvez ele tivesse ficado incapacitado para toda a vida.

Para não tornar a história muito longa, pois não esse o assunto desta minha publicação, posso dizer que ele aprendeu a andar, depois a falar e escrever, embora com muitas limitações, e mais tarde a conduzir e fazer asneiras, tal e qual como fazia antes da doença.

Cerca de dois anos depois da maldita embolia, já a sogra perdia a paciência com a recuperação que nunca mais acontecia e, como para grandes males, grandes remédios, decidiu consultar uma bruxa que morava no centro da cidade do Porto. Nem ela nem a filha conduziam, de modo que calhou a mim ser o taxista de serviço para levar o cunhado á famosa bruxa. Ele como cliente, a mulher como acompanhante, eu como chauffeur (sem farda nem boné de pala) e a minha mulher para dar moral ao irmão e apoio no que fosse preciso à sua primeira cunhada.

Em pouco mais de um fósforo, vi-me num apartamento bastante luxuoso, situado num 4º ou 6º andar de uma movimentada rua do Porto, e pensei cá para comigo e os meus botões, a bruxa não se dá nada mal, deve cobrar uma boa maquia pela consulta (mas nunca cheguei a saber quanto lhe pagou a minha con-cunhada). A senhora, de boa aparência devia andar na casa dos 55 anos, mais coisa menos coisa. Recebeu-nos e instalou-nos na sala, dizendo que tínhamos que esperar um pouco, pois estava à espera de outra "pessoa". Alguns minutos depois, chegou um senhor, mais ou menos da mesma idade dela - pensei que deveriam ser amantes ou irmãos, pois não o apresentou como marido - e rapidamente percebi que ele é que era o especialista na matéria e não ela.

Levaram os meus cunhados para outra divisão da casa, onde devem ter ouvido a história do "paciente" e recebido o valor da consulta. Não demoraram mais de 15 minutos e convidaram.nos a acompanhá-los numa pequena viagem que teriam que fazer para fazer o "serviço". Soube mais tarde que havia serviços de vela preta, mais caro, e de vela vermelha, para os de menos posses.

A viagem (não tão curta assim) terminou no monte de Santa Justa, em Valongo, a menos de 100 metros duma capela que lá existe. O bruxo, munido de uma sacola contendo as ferramentas do ofício, escolheu um sítio, na berma da estrada, que lhe pareceu propício e começou a função. Com uma faca de grande tamanho, parecida com uma que o meu pai usava para matar o porco, desenhou um círculo no chão e mandou o meu cunhado ficar em sentido dentro dele. Depois limpou e alisou uma nesga de terreno na valeta, onde colocou um naperon, uma vela preta que acendeu e mais uma trapalhadas que eu não vi bem nem me lembro já. Depois disso, sacou de um livro que começou a ler, enquanto andava à volta do meu cunhado. Enquanto isso, a sua assistente ia fazendo os possíveis por manter a vela acesa, pois o vento que soprava tinha aumentado de intensidade e cantava uma música estranha, àquela hora da noite, nas folhas dos eucaliptos. Suponho que eles queriam fazer a cerimónia à meia-noite, hora a que o diabo anda à solta, mas como nem 11 horas eram ainda, resolveram andar com a cerimónia para a frente e acabar a tempo de poderem ainda desfrutar de uma noite bem dormida.

A minha mulher e eu estávamos a uns 20 metros de distância, onde nos mandaram esperar para não perturbar  o exercício levado a cabo naquela estrada deserta, onde não passava vivalma àquela hora da noite. A minha cara-metada bem gostaria de estar mais perto, ver e ouvir tudo o que se dizia, por isso aguçava o ouvido e perfurava a escuridão com os olhos fixos na luz da vela. Eu, sem muita paciência para aquilo, sentei-me dentro do carro e esperei.

Passado perto de meia hora, uma rabanada de vento apagou a vela e o bruxo, levantando um dedo no ar, disse: ele anda aí! Referia-se, claro, ao mafarrico que era o seu aliado e tinha vindo trazer a cura ao seu cliente, tal como ele pedira nas suas rezas. E com estas palavras fechou o livro e disse que a sua tarefa estava concluída, nada mais podia fazer. O futuro nos diria se o remédio tinha surtido efeito ou não. E todos rumámos a casa, depois disto, ele em direcção ao Porto e eu à Póvoa. Nós com o doente que não dava por burro nem por albarda e ia para todo o lado para onde o levassem. Eles, concerteza, a dividir as notas que o serviço lhes rendera.

Com o passar dos anos, o meu cunhado recuperou quase a 100%, mas como entretanto tinha ficado reformado com incapacidade de 100%, nunca mais trabalhou e foi um fardo para a sua mãe, até à hora da morte. A mulher, farta das maluqueiras dele, acabou por divorciar-se e assim passou o fardo de o aturar para a mãe que o pariu e lhe deu os genes (defeituosos) que ele tinha. Ainda viveu mais de 30 anos fazendo uns biscates aqui e ali para os copos e morreu aos 60 anos com um cancro noa pulmões. Sempre gostou de fumar cigarros sem filtro ou charutos, ele devia gostar de sentir o gosto do tabaco na boca. Como a mãe, entretanto, já tinha partido para a última viagem, calhou à minha mulher tratar dele e andar de hospital em hospital, em inúmeras sessões de quimioterapia, e no fim acompanhá-lo até ao cemitério, onde jaz, há já 16 anos.

3 comentários:

  1. Há coisas em que eu acredito. Até posso estar enganado, mas não acredito nesses truques de bruxaria. Acredito nos milagres da medicina, nos profissionais com competência para a aplicar naqueles que dela carecem. Cada caso é um caso. E nesse caso o que mais interessou foi cura da pessoa.

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  2. Infelizmente da mesma forma que existe o bem, o mal também, a única diferença que o bem é mais forte.

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  3. Muito interessante esta história embora eu não acredite em bruxas/os.
    Abraço, saúde e bom fim de semana

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