O irmão mais velho da minha mulher sofreu uma embolia e só não morreu por milagre, ou porque chegaram ao hospital a tempo de o safar. Mas ficou, totalmente, incapacitado. Ele não andava, não falava, nem tão pouco sabia quem era. Passou um ano em recuperação motora, entre Alcoitão e uma clínica na Suíça. A sogra dele era rica e fez questão de arcar com todas as despesas, de outro modo talvez ele tivesse ficado incapacitado para toda a vida.
Para não tornar a história muito longa, pois não esse o assunto desta minha publicação, posso dizer que ele aprendeu a andar, depois a falar e escrever, embora com muitas limitações, e mais tarde a conduzir e fazer asneiras, tal e qual como fazia antes da doença.
Cerca de dois anos depois da maldita embolia, já a sogra perdia a paciência com a recuperação que nunca mais acontecia e, como para grandes males, grandes remédios, decidiu consultar uma bruxa que morava no centro da cidade do Porto. Nem ela nem a filha conduziam, de modo que calhou a mim ser o taxista de serviço para levar o cunhado á famosa bruxa. Ele como cliente, a mulher como acompanhante, eu como chauffeur (sem farda nem boné de pala) e a minha mulher para dar moral ao irmão e apoio no que fosse preciso à sua primeira cunhada.
Em pouco mais de um fósforo, vi-me num apartamento bastante luxuoso, situado num 4º ou 6º andar de uma movimentada rua do Porto, e pensei cá para comigo e os meus botões, a bruxa não se dá nada mal, deve cobrar uma boa maquia pela consulta (mas nunca cheguei a saber quanto lhe pagou a minha con-cunhada). A senhora, de boa aparência devia andar na casa dos 55 anos, mais coisa menos coisa. Recebeu-nos e instalou-nos na sala, dizendo que tínhamos que esperar um pouco, pois estava à espera de outra "pessoa". Alguns minutos depois, chegou um senhor, mais ou menos da mesma idade dela - pensei que deveriam ser amantes ou irmãos, pois não o apresentou como marido - e rapidamente percebi que ele é que era o especialista na matéria e não ela.
Levaram os meus cunhados para outra divisão da casa, onde devem ter ouvido a história do "paciente" e recebido o valor da consulta. Não demoraram mais de 15 minutos e convidaram.nos a acompanhá-los numa pequena viagem que teriam que fazer para fazer o "serviço". Soube mais tarde que havia serviços de vela preta, mais caro, e de vela vermelha, para os de menos posses.
A viagem (não tão curta assim) terminou no monte de Santa Justa, em Valongo, a menos de 100 metros duma capela que lá existe. O bruxo, munido de uma sacola contendo as ferramentas do ofício, escolheu um sítio, na berma da estrada, que lhe pareceu propício e começou a função. Com uma faca de grande tamanho, parecida com uma que o meu pai usava para matar o porco, desenhou um círculo no chão e mandou o meu cunhado ficar em sentido dentro dele. Depois limpou e alisou uma nesga de terreno na valeta, onde colocou um naperon, uma vela preta que acendeu e mais uma trapalhadas que eu não vi bem nem me lembro já. Depois disso, sacou de um livro que começou a ler, enquanto andava à volta do meu cunhado. Enquanto isso, a sua assistente ia fazendo os possíveis por manter a vela acesa, pois o vento que soprava tinha aumentado de intensidade e cantava uma música estranha, àquela hora da noite, nas folhas dos eucaliptos. Suponho que eles queriam fazer a cerimónia à meia-noite, hora a que o diabo anda à solta, mas como nem 11 horas eram ainda, resolveram andar com a cerimónia para a frente e acabar a tempo de poderem ainda desfrutar de uma noite bem dormida.
A minha mulher e eu estávamos a uns 20 metros de distância, onde nos mandaram esperar para não perturbar o exercício levado a cabo naquela estrada deserta, onde não passava vivalma àquela hora da noite. A minha cara-metada bem gostaria de estar mais perto, ver e ouvir tudo o que se dizia, por isso aguçava o ouvido e perfurava a escuridão com os olhos fixos na luz da vela. Eu, sem muita paciência para aquilo, sentei-me dentro do carro e esperei.
Passado perto de meia hora, uma rabanada de vento apagou a vela e o bruxo, levantando um dedo no ar, disse: ele anda aí! Referia-se, claro, ao mafarrico que era o seu aliado e tinha vindo trazer a cura ao seu cliente, tal como ele pedira nas suas rezas. E com estas palavras fechou o livro e disse que a sua tarefa estava concluída, nada mais podia fazer. O futuro nos diria se o remédio tinha surtido efeito ou não. E todos rumámos a casa, depois disto, ele em direcção ao Porto e eu à Póvoa. Nós com o doente que não dava por burro nem por albarda e ia para todo o lado para onde o levassem. Eles, concerteza, a dividir as notas que o serviço lhes rendera.
Com o passar dos anos, o meu cunhado recuperou quase a 100%, mas como entretanto tinha ficado reformado com incapacidade de 100%, nunca mais trabalhou e foi um fardo para a sua mãe, até à hora da morte. A mulher, farta das maluqueiras dele, acabou por divorciar-se e assim passou o fardo de o aturar para a mãe que o pariu e lhe deu os genes (defeituosos) que ele tinha. Ainda viveu mais de 30 anos fazendo uns biscates aqui e ali para os copos e morreu aos 60 anos com um cancro noa pulmões. Sempre gostou de fumar cigarros sem filtro ou charutos, ele devia gostar de sentir o gosto do tabaco na boca. Como a mãe, entretanto, já tinha partido para a última viagem, calhou à minha mulher tratar dele e andar de hospital em hospital, em inúmeras sessões de quimioterapia, e no fim acompanhá-lo até ao cemitério, onde jaz, há já 16 anos.
Há coisas em que eu acredito. Até posso estar enganado, mas não acredito nesses truques de bruxaria. Acredito nos milagres da medicina, nos profissionais com competência para a aplicar naqueles que dela carecem. Cada caso é um caso. E nesse caso o que mais interessou foi cura da pessoa.
ResponderEliminarInfelizmente da mesma forma que existe o bem, o mal também, a única diferença que o bem é mais forte.
ResponderEliminarMuito interessante esta história embora eu não acredite em bruxas/os.
ResponderEliminarAbraço, saúde e bom fim de semana