Se ainda fosse vivo, ele teria completado 112 anos, no passado dia 1 de Fevereiro. Era o verdadeiro analfabeto, não lhe deram tempo de frequentar a escola. Aos 7 anos de idade foi pedir ao professor que o deixasse entrar na escola da sua freguesia natal. Aos 8 anos foram buscá-lo à escola para ir trabalhar. O seu pai falecera e alguém teria que ajudar a mãe a ganhar o sustento da família de 4 pessoas, a mãe com 3 crianças menores de idade.
O meu pai é o protótipo do «Pai Herói», trabalhou dos 8 aos 8o anos e ainda fez uns biscates depois disso. De machado na mão parecia um Viking, rachava lenha como eles rachavam cabeças, quando vinham ao assalto pelas costas marítimas da velha Europa. Sei bem do que falo, pois ele nomeou-me seu ajudante, quando eu tinha a mesma idade com que ele começou a trabalhar. Cozer o pão em casa para uma família grande gasta muita lenha e tem que ser lenha boa, nem qualquer graveto serve para aquecer o forno.
Mas além de rachador de lenha, ele era perito no uso da pá e pica, trabalhou anos a fio para os CTT, enterrando cabos telefónicos pelas valetas das estradas do distrito de Braga e do Porto. E na agricultura não havia tarefa que não soubesse desempenhar como ninguém. O empreiteiro que o levou para os tralhos dos CTT levou-o depois para a Madeira para rasgarem a primeira estrada que ligava o Funchal a Porto Moniz. Veio-se embora, ao fim de 6 meses, horrorizado com os acidentes de trabalho que já tinham roubado a vida a mais que um trabalhador daquela empreitada.
Aprendeu a profissão de cesteiro para ganhar uns patacos, durante o inverno, tempo em que as tarefas agrícolas estão em hibernação. Entretanto ia dando gás a um sonho antigo, arranjar um patrão que lhe garantisse um salário e o acesso ao abono de família que (ainda) não era para todos. Consegui-o quando eu frequentava a 3ª Classe, já lá vão muitos anos.
E por ali ficou até ao dia da sua reforma. Os anos foram rolando, um após outro, e os filhos chegando para aumentar a família e o valor do abono de família que recebia com os olhos brilhantes, no fim de cada mês. Um salário melhor e certinho, no fim do mês, acrescido do abono pelos muitos filhos que pôs no mundo, fez com que começasse a alimentar o sonho de construir uma casinha para não ter que pagar aluguer a um senhorio. Ele aspirava a ser senhorio dele mesmo. E conseguiu-o!
Ao fim de 13 anos com aquele patrão - que era mau como as cobras, mas pagava bem - conseguiu comprar um lotezinho de terreno que dava para construir uma casinha de 80 metros quadrados, onde teria que caber a sua família, então com 14 pessoas. E com recurso ao crédito particular de amigos e vizinhos, desenhou e mandou construir a tal casinha com que sonhara toda a vida. Ele, eu e todo o resto do familório mudámo-nos para essa casa, em Maio de 1961, mas acabei por não me agarrar à casa, pois alguns meses mais tarde, alistei-me na Marinha e nunca mais voltei a casa dos pais.
Depois dos 80, quando ele já necessitava da ajuda de terceiros, fui eu, o filho mais velho, que o acompanhei até que se finou, aos 90 anos, vítima de um AVC. Durante toda a vida, ele nunca quis nada para ele próprio, não bebia, não fumava, não gastava um tostão fosse no que fosse em seu benefício. Acho que um pai melhor que este não pode ter existido em nenhum canto deste mundo de Deus!
Bom dia
ResponderEliminarBonita homenagem sem dúvida
Também tenho uma linda homenagem ao meu , mas não vou abusar da confiança em deixá-la aqui.
Um grande abraço ao amigo e a todos os pais que por aqui passam.
JR
Hoje ja nao fazem portugueses assim e pior ainda ja nao ha mulheres preparadas para de terem muitos filhos e homens para os manter. Falta de incentivos, subsidios e uma tv que nos convence que globalismo da saude fazem o resto.
ResponderEliminarNão invejo, nunca invejei nem cobicei, quem tivesse boas casas, boas roupas, boa comida. Sempre senti , isso sim, uma secreta revolta contra aquele meu progenitor, que me deixou crescer sem a sua protecção e o seu amparo.
ResponderEliminarEm toda esta sua bonita homenagem ao Pai, achei linda essa abnegação de alguém que se esquece de si em prol dos outros, sobretudo da sua família. Não esperava tanto do meu pai, até porque considero que todos têm o direito e até a obrigação de olharem por toda a gente, mas também por si próprios.
Hoje, invejei-o, não por ter tido um Pai abnegado e trabalhador.
As lágrimas que me embaciam os óculos e escorrem pelo rosto, são por não ter crescido ao lado de um Pai, a quem pudesse hoje homenagear.
Feliz Dia do Pai, Tintinaine!
Peço desculpa por ter despertado memórias tristes.
Eliminar