domingo, 22 de janeiro de 2023

Prato!

 Prato é uma cidade italiana situada nos arredores de Florença que vive da Indústria Têxtil. É uma espécie de Covilhã à italiana! Hoje, com a globalização, já é muito diferente, mas nos anos do pós-Grande Guerra Prato vivia 100% pendurada na Indústria Têxtil. Herança do passado era ali que se situavam as grandes fábricas de transformação de lãs das muitas ovelhas na Cordilheira Apenínica em que Prato está inserida.

O rio Bizêncio que desce das montanhas e ruma a sul, depois de ter atravessado Prato, de norte para sul, fornecia de água as fábricas que foram nascendo nas suas margens. Quem viaja de Prato para norte, seguindo o curso desse rio. fácilmente, entenderá como funciona o mundo têxtil. Lavar as lãs, fiá-las, tecê-las, tingi-las gasta muita água em cada uma das suas fases, água que depois de usada é devolvida ao rio e segue o seu curso até chegar ao mar.

Nos tempos mais modernos, depois da Grande Guerra, o desenvolvimento da indústria obrigou a construir um parque industrial, desta vez na planície que se estende das montanhas até ao mar, perto de Pisa, de enormes dimensões que alberga milhares de empresas têxteis, como não há em mais parte nenhuma do globo terrestre. Muitas dessas empresas têm apenas 3 pessoas, o patrão, uma secretária para tratar das papeladas e um condutor que movimenta as mercadorias de um lado para o outro. Todas essas empresas funcionam naquilo que se chama o «Sistema Horizontal», o sistema em que cada interveniente faz apenas uma operação de todo o processo. Uns lavam e tingem lãs, outros fiam, tecem, lavam e acabam o produto para entregar ao cliente final.

As lãs têm um ciclo de fabricação complexo que só quem lá andou compreende. Desde a tosquia até se ver um lindo tecido dá muitas voltas. Ela pode ser tingida em rama, em fio ou em tecido, depois há também vários sistemas de fiar, dependendo da qualidade da lã e do calibre de fio que se quer atingir. Em Prato, toda a gente com mais de 50 anos, quando por lá comecei a andar, é especialista nessa matéria, nos velhos tempos não havia outra coisa onde trabalhar e todas aprenderam na escola da vida, onde só havia ovelhas, pastores e lã que era preciso transformar em tecido.

E há ainda mais uma característica que define Prato e a separa de outras zonas de Lanifícios, só trata de lãs cardadas, enquanto que as lãs penteadas - para fios e tecidos mais finos - são tratadas no norte, nos vales dos pequenos rios que descem dos Alpes Suíços para a planície do Pó, talvez o maior rio de Itália. As melhores marcas de roupa são italianas, como toda a gente sabe, e é nessa zona que se abastecem de tecido para a sua confecção. No passado usavam apenas a lã das ovelhas da sua região, mas hoje recebem as lãs melhores e mais finas que há no mundo, desde a África do Sul, a Austrália ou Nova Zelândia. Os pelos de outros animais, como a cachemira, alpaca e outros similares chegam da América do Sul e são ali transformados.

A sul de Roma existe ainda uma zona têxtil especializada em algodões, mas foi sol de pouca dura, a globalização levou as fábricas para os países que produzem algodão e têm mão-de-obra muita mais barata, nomeadamente o Paquistão e a Índia. Entre Milão e a fronteira suíça, há muitas fábricas que nasceram a fiar e tecer algodão e, hoje, ganham a vida  misturando tudo aquilo que os outros não querem, ou não podem, tratar. Linho ou seda, fibras artificiais ou sintéticas, misturadas com algodão ou umas com as outras - diz-se em Portugal que há mil maneiras de matar pulgas ou cozinhar bacalhau - faz-se o mesmo em Itália no mundo dos tecidos.

Mas, comecei a falar de Prato e perdi-me, falando do resto do mundo têxtil que existe naquele país. Das muitas viagens que fiz a Itália passei sempre por Prato e, não raras vezes, era ali que passava todo o tempo da minha viagem que, habitualmente, durava uma semana. E tudo por causa das agências de viagens que faziam um preço muito mais em conta a quem saía no sábado e regressava no domingo, uma semana depois. Assim fui obrigado a inventar trabalho e visitar fábricas para matar o tempo que me sobrava e aprender algo mais sobre aquele mundo, onde mergulhei, pouco depois de sair da Marinha.

E assim conheci hotéis, restaurantes, tascas e afins, aeroportos e estações de comboio como poucos tiveram hipótese de conhecer. Pagar 20 contos de reis para dormir uma noite não era a minha praia e cheguei a dormir em casa de família, de borla ou quase. Fui levado (por fornecedores ávidos de me agradar) aos melhores restaurantes e comi em muitas espeluncas, às vezes, por falta de outra alternativa. Uma vez, por curiosidade, fui até comer a uma cooperativa, em Prato, que dava de comer aos mais desvalidos da sociedade pratesa, tipo uma diária dos tempos que correm. Todos pagavam 7.500 Liras (cerca de 750$00) e tinham direito a uma sopa, um de dois pratos a escolher, uma sobremesa pequenina e vinho. Como sou curioso quis ver como viviam os mais pobres e comi lá uma macarronada que não me desiludiu. O vinho é que era uma espécie de água-pé, mas não me faltaram ocasiões de beber bons vinhos

Na maior parte das vezes fiquei no Art-Museo Hotel que era o mais conhecido e a minha agência de viagens tinha na sua lista, mas quando viajava por minha conta e risco, o que acabava por ficar mais barato para a minha empresa - embora nunca mo tenham agradecido -  ficava onde calhava, às vezes em buracos que nem o diabo conhecia.

Para terminar, vou só mencionar 3 localidades, situadas nos arredores de Prato, onde fui muitas vezes, umas vezes em negócios e outras à procura de petiscos que sabia lá existirem. Começo com Montemurlo que é uma espécie de extensão de Prato, onde existe o restaurante La Rocca (a rocha), no cimo de um monte e que é frequentado por quem ganha acima da média. Depois Pistóia que alberga metade das fábricas têxteis que visitei e ainda Montale onde ia sempre almoçar, quando estava sozinho, por causa da cozinha e dos petiscos que servia. Só as "Entradas" davam para satisfazer o apetite de um homem normal.

E fico-me por aqui, pois aceito que muita gente não tenha paciência para ler aquilo que não lhes diz nada, embora para mim seja «a minha vida»!

4 comentários:

  1. Bom eu li tudo, gostei muito de conhecer a cidade e os seus arredores, como saber a diferença entre lãs fiadas e cardadas.
    Abraço, saúde e bom domingo

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  2. Isto é sempre a aprender! Começámos com as maçãs que enchiam os olhos e só uma enche um prato e, agora, temos o Prato principal italiano que, eu, nem por sombras conhecia.
    Nos anos sessenta, quase toda a população da Covilhã, estava ligada à indústria textil. Posteriormente, após o 25 de Abril, a cidade transformou-se numa cidade fantasma, com o encerramento das fábricas.
    Ainda bem que nos reservou as entradas para o fim...:) Parece que adivinhou que adoro petiscar.
    Boa noite.
    ( não se iniba nem preocupe com os escritos longos. Quem tem tanto para dizer e sabe escrever tão bem, presta um inestimável serviço a quem gosta de aprender.)



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  3. Qualquer post sobre viajens é sempre benvindo. Conheço Italia mas Prato nunca tinha ouvido falar.

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  4. Ah oui !... Salarios exorbitantes, turismo a "gogo" e quem ficou a berrar foram : BCP - CGD - Segurança Sociale .

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