É costume dizer-se que quando s aproxima a hora da morte, a gente vê a nossa vida inteira desfilando, como se fosse um filme, perante os nossos olhos. Nesse filme a cena final é o cristão a fechar os olhos e passar para a outra dimensão, sem disso se aperceber. Foi-se!
Se eu puder escolher não quero que as coisas se passem assim, prefiro andar por aqui mais 10 anos, até aos 90, e usar esse tempo - largos dias têm dez anos, como dizia o presidente do FCP - para fazer desfilar perante os meus olhos tudo aquilo que vivi, os meus fracassos e as minhas conquistas. E depois, sim, morrerei satisfeito porque atingi todos os objectivos a que me tinha proposto.
Só me falta saber a quem pedir esses 10 anos de que preciso para realizar o meu sonho. Se Deus existe e eu acredito que sim, pois não conheço outro cientista que tivesse sido capaz de inventar o universo, em que nós humanos somos uma ínfima parte, tal como o conhecemos, ele zelará para que os meus desejos se realizem.
Algumas das minhas memórias mais marcantes já vocês, meus caros e fiéis leitores, conhecem, mas há mais, muito mais, coisas boas, coisas más, coisas que só para mim têm sentido e ainda coisas que eu viverei sozinho, sem coragem para as partilhar com terceiros. Aliás, creio que se passa o mesmo com cada pessoa que vive para além dos 7 anos de idade. Idade essa em que o disco duro da nossa memória começa a gravar tudo aquilo que nos afecta directamente para mais tarde o recordarmos. Algumas coisas não quereríamos recordá-las mais, mas nisso não temos opção, faz parte do bom e mau que a nossa vida tem.
Por falar nesta questão de esquecermos, praticamente, tudo aquilo que se passou antes de completarmos os tais 7 anos de vida, eu tenho uma coisa fantástica para vos contar. Eu lembro-me, perfeitamente, de uma coisa que aconteceu antes de eu nascer. A minha mãe dizia-me que não era possível, pois estava grávida de 6 meses, eu bem arrumadinho dentro do seu útero, quando esses factos aconteceram, mas confirmava que foi tudo tal e qual como eu descrevia.
Aos dezasseis anos de idade, o meu pai saiu da sua aldeia natal e foi trabalhar como criado de servir para o meu padrinho de baptismo. Alguns anos depois, ele conheceu a minha mãe e casaram-se. Nasceram duas raparigas, durante os quase 5 anos antes da minha chegada, e então, com o aproximar do parto, era preciso escolher um padrinho para a criança que aí vinha. Enquanto trabalhou em casa do meu padrinho, o meu pai soube do gosto que ele tinha por ser padrinho, especialmente, de rapazes e dar-lhes o seu nome, Manuel. E dirigiu-se a ele perguntando se lhe podia fazer o favor de me levar ao baptismo.
Claro que sim respondeu ele e para comemorar o facto vamos fazer uma "comezaina" em tua casa que nunca mais será esquecida. Claro que o meu velhote não tinha dinheiro para essas larguezas e ficou logo às aranhas. Não te preocupes com as viandas que eu trato disso, tens que arranjar é quem cozinhe, pois aí não te posso ajudar.
E no próprio dia marcado para a festança, o meu padrinho, Manuel, apareceu com um saco de batatas e um porquito, ainda mal criado, que tirou da última ninhada d bácoros da sua porca de criação. E como é da tradição, montaram o banco de madeira, em que deveria ser amarrado o animal para se lhe meter a faca e tirar o sangue para o sarrabulho. E depois de morto, chamuscá-lo e depois raspar a pele para que não nos arranhasse a boca ao mastigá-lo.
Na casa em que nasci, havia uma grande cozinha, cujo telhado era suportado por uma grande coluna de pedra, implantada mesmo no centro do espaço. Com o tempo, as coisas não são eternas, as madeiras apodreceram e com o peso das telha tudo aquilo ruiu como um castelo de cartas. Quando o meu pai se casou e foi para ali morar, devem ter feito uma limpeza geral, retirado as madeiras podres e todos os cacos, ficando apenas a grande coluna de pedra no centro do espaço vazio.
Foi assim que eu a conheci, depois de ter nascido, e ainda lá ficou, quando, aos meus 16 anos saímos de lá e fomos murar para uma freguesia do concelho da Póvoa. Mas, voltando à minha história, encostado a essa coluna foi encostado o banco de madeira, de maneira que não caísse, quando o bicho começasse a espernear, ao sentir a faca entrar-lhe no peito. Ao lado do banco acenderam uma fogueira para, recorrendo a tochas feitas de palha de centeio, chamuscarem o mártir sacrificado para celebrar a minha chegada.
Lembro-me disso tudo, nos mais ínfimos pormenores, como se estivesse, agora mesmo, a assistir a um filme. Mas isso não pode ser, dizia a minha mãe, tu só nasceste três meses depois!
Hoje com a ciência muito mais evoluída acredito no que dizes e não é por acaso que uma grávida para acalmar o rebento põe música para que se acalme. Gostei da narrativa!
ResponderEliminarAbraços e um bom dia
O que aconteceu ao meu comentário?
ResponderEliminarAgradeço que vá até ao Spam verificar...
Isso foi trauma que o menino sofreu, ao ouvir os guinchos doloridos de um outro «menino» sacrificado em seu nome, num ritual macabro para gáudio dos homens pecadores...
EliminarAcredito, claro que acredito. Este homem jamais nos mentiu!!