Nos tempos em que eu trabalhava, cada segunda-feira era um quebra-cabeças. Havia problemas que tinham ficado por resolver ne sexta, havia problemas, do lado dos clientes ou dos fornecedores, que lhes aconteciam a eles e me infernizavam a vida a mim, havia um ou outro trabalhador que não se tinha apresentado ao serviço, de vez em quando greves e sei lá que mais. Os meus subordinados podiam faltar ou vir a cair de sono, mas eu tinha que estar a 100% para resolver os problemas que me surgissem pela frente.
Fez, no passado mês de Maio, 20 anos que abandonei o meu posto. Estava tudo tão dependente de mim que pensei que não me deixariam em paz odia todo, o telefone a tocar com mais uma pergunta, mais uma dúvida para esclarecer. Mas, para meu espanto, não aconteceu nada disso. Soube depois que foi o Director Geral que deu ordens para não me contactarem em caso algum. Eu já estava reformado, há quase dois anos, mas tinha acedido a manter-me na minha posição, enquanto achassem que isso era benéfico para a empresa.. Só que a dança das cadeiras rodou e o meu chefe passou a ser outro.
Desde há dois meses que eu estava a trabalhar apenas meio-dia, para habituar os meus subordinados a procurar as soluções sem se dirigirem a mim. Já tinha sido nomeado um substituto para trabalhar comigo e aprender os truques do negócio, mas também lhe mantiveram as responsabilidades do cargo anterior, coisa que não o deixou muito satisfeito. Assim, ele ligava pouco ao trabalho do meu departamento, enquanto eu por lá andasse estavam coisas controladas. Trabalhava todas as manhãs, excepto à segunda-feira em que tinha que preparar um relatório que só podia ser feito de tarde (limitações da Informática).
Numa famosa segunda-feira, de manhã, o meu novo chefe entrou pelo meu gabinete, viu as luzes apagadas e o computador desligado e dirigiu-se a uma das funcionárias perguntando - o Sr. Silva não veio trabalhar? Às segundas ele só vem de tarde, foi a resposta que recebeu. Deve ter ficado a pensar que a minha situação não era muito regular, nem tinha sido autorizada por ele, e logo que regressou do almoço mandou a secretária particular chamar por mim ao seu gabinete. Em meia dúzia de palavras disse-me que tinha falado com o antecessor de quem tinha tomado o cargo e que concordaram em que os meus serviços podiam ser dispensados. Vocês é que sabem, eu só estou aqui para ajudar, enquanto vocês o entenderem necessário, respondi-lhe eu. Xau, adeus!
Antes de me vir embora ainda lhe fui perguntar quem tomava conta das questões pendentes, do contencioso que havia com fornecedores e companhias de seguros, além de muitos outros problemas por resolver. Não se preocupe com isso, a partir de amanhã nada disso será da sua responsabilidade.
Vi logo que aquilo não tinha sido pacífico, ele e o seu antecessor no cargo eram sócios com 10% do capital da empresa e tinham, recentemente ajustado as responsabilidades de cada um. O outro só confiava em mim e não queria nem pensar como funcionaria o departamento sem a minha presença. Já trabalhávamos juntos, há 20 anos, e cada um sabia do que era capaz. Este tinha emigrado de director fabril para director geral e ainda não tinha percebido com quantos paus se faz uma canoa.
O caso mais caricato - dos assuntos pendentes - era um lote de tecido, de um valor acima de 3 mil contos que eu tinha devolvido ao fornecedor e ele não aceitou a devolução, pelo que tive que pedir a um amigo que me guardasse o tecido até vermos o que fazer com ele. Ninguém pegou no assunto e já depois de a firma ter falido perguntei a um dos colegas de trabalho que estava por dentro do assunto o que tinha acontecido e ele disse-me que o fornecedor exigira do seguro o pagamento da factura e depois enviaria o assunto para tribunal. Quando chegou a intimação do tribunal foi parar às mãos do gestor da massa falida.
A seguir à minha saída, alguns dos chefes de serviços que tinham o salário mais alto, na casa dos 3 a 4 mil euros, foram convidados a ir para o desemprego com a respectiva indemnização, o que tiveram que aceitar de bom ou mau grado. A empresa ressentiu-se muito da falta desses quadros e dois anos mais tarde estava fechada. Foi criada uma nova empresa para acomodar cerca de 500 costureiras, a quem a banca provisionou com 6 milhões de euros para as primeiras despesas e até a facturação começar a fluir regularmente. Era aquela velha história de pagar o cão com o pelo do cão, mas o cão ficou sem o pelo que tinha e nunca lhe nasceu outro.
Desde então deixei de ter problemas para resolver, mas ainda sonho com aquilo tudo e como poderei resolver o problema tal ou tal que me vai surgir, logo que chegue ao escritório. Ainda acordo, banhado em suor, quando o assunto em questão é mais cabeludo. E já passaram 20 anos e quase 2 meses!
Bom dia
ResponderEliminarComo eu o compreendo amigo.
Foram mais de vinte anos a gerir uma frota entre vinte e trinta camiões e dar-lhe assistência técnica 24 horas por dia .
Comecei com baixa médica depois de ter estado nos cuidados intensivos com covid , fui trabalhar mais dois meses e acabei por ficar no desemprego durante dois anos e em agosto do ano passado passei à pré reforma, mas é rara a noite em que não sonhe com camiões .
JR
Bolas!! Que vida intensa este homem dos sete ofícios teve!!
ResponderEliminarCom o fim desse pesadelo, viva agora as segundas-feiras, como se fossem Domingos..e cara alegre!
É verdade...lembra-se de uma revista que se chamava "O Cara Alegre"?
Às tantas nunca leu revistas de BD.
A bem da verdade, eu também nunca li esta, era muito miuda, ainda vivia no Alentejo, mas lembro-me da minha mana - seis anos mais velha - dizer que tinha um amigo lá da Escola que parecia o Cara-Alegre da revista de humor.
Tenha um bom dia.
Trabalhadores assim já não se encontram. Pessoalmente sempre olhei o trabalho como 'uma obrigação militar', fazia o serviço mas sem nunca me apaixonar... E assim sobrevivi por esse mundo fora até aos 59 anos - idade em que a BHP me ofereceu um handshake. Interessante porém a maneira de pensar dos meus compatriotas perante o trabalho e a reforma: é que se aplicassem 'o system' que há por estas latitudes em Portugal mais de metade dos reformados tinha que deixar o jogo da sueka e ir trabalhar.
ResponderEliminarSagrado mal dos portugueses : todos sao indispensaveis e nem sequer pensam que destes esta o cemiterio cheio !
ResponderEliminarOutros sao empresarios e responsaveis de mon " cul " !
Com toda esta inteligencia , nao sei como estamos na cauda da Europa !