Ao longo da minha vida que já vai longa têm passado muitas mulheres. No início era a mãe, a avó e as irmão. Depois apareceram as primas, as amigas e as namoradas. Depois de seleccionar uma das namoradas para partilhar a minha vida, passou a contar mais ela e a filha que me deu. Mas a vida não para e depois dessas duas, muito importantes, vieram muitas outras para me alegrar ou infernizar a vida. De entre elas vou a escolher a D. Engrácia para preencher a minha crónica desta segunda-feira, dia 5 de Junho.
A D. Engrácia veio-me parar às mãos, quando entrou na menopausa e passava os dias com a lágrima ao canto do olho, pois não sabia como lidar com aquilo. Quando digo aquilo refiro-me às mudanças de humor e tantas coisas mais que afligem a mulher nessa fase da vida. Como ela era funcionária no departamento que eu chefiava, achei por bem chamá-la ao meu gabinete e inquirir das razões que a levavam ao estranho comportamento dos últimos tempos. No fim disse-lhe: - Tenha calma D. Engrácia, isso é natural durante a menopausa e depressa lhe passará, não se apoquente por tão pouco. Ela agradeceu a atenção, secou os olhos e foi à vida dela.
A vida dela nunca foi fácil. Aos 16 anos de idade era uma bela morena com uma grossa trança preta que lhe chegava quase à cintura. Poderia ter tido uma juventude bem mais alegre se não se tivesse cruzado com o meu amigo Manel que era um mulherengo de primeira e lhe começou a montar um cerco que acabou por fazê-la cair no anzol.
Este Manel era um daqueles rapazes convencidos que conduzia um descapotável vermelho, de óculos escuros a esconder os olhos e calçando luvas de fino cabedal, sem dedos, para lhe permitir sentir o volante. Ele trabalhava numa empresa fornecedora que eu visitava amiúde por causa dos negócios. Um dia entrou-me pelo escritório adentro anunciando, agora seremos colegas, fui contratado pelo Sr. Pereira para ser o seu braço direito.
Ele vivia um vida dupla, pois tinha a mulher em casa, mas passava a vida com a namorada, a menina Engrácia que nesta altura já era menina para ter uns 30 anos de idade. mesmo com uma namorada fora de portas e a legítima dentro das mesmas, ele ainda sonhava com outras aventuras. E assim, um belo dia, subiu ao telhado da sua casa para ver uma coisa que o andava a incomodar. À mulher disse que era uma mancha a aparecer na parede do quarto de banho, o que poderia significar uma telha partida.
Mas qual telha, qual carapuça, ele foi espreitar por uma pequena janela da casa do vizinho que dava para o quarto de banho e tentar ver a filha deste a tomar banho. Não sei como ele descobriu isso, talvez por mero acaso, mas começou a meter-se-lhe na cabeça que tinha que ver a miúda, muazinha como veio ao mundo, e lá foi ele mais uma vez encostar a escada e subir para cima do telhado. E esta foi a última vez que o fez, pois escorregou e veio parar cá abaixo, estrampalhando-se todo no chão de cimento do seu pátio. Quebrou a coluna e ... ponto final nas aventuras de Casanova.
A notícia chegou ao nosso escritório, mas o Manel só apareceu, cerca de um ano mais tarde, a tocar uma cadeira de rodas que era agora o seu meio de transporte que substituíra o seu descapotável vermelho. E com ele trazia a, já vossa conhecida D. Engrácia que carregava a bolsa dos pertences do seu apaixonado e ajudava com as manobras da sua nova viatura. Mais tarde, alargaríamos as portas e os corredores, entre secretárias, para lhe ser mais fácil deslocar-se. A casa de banho também objecto de algumas modificações para lhe permitir entrar de cadeira de rodas e mexer-se a seu contento.
Toda a gente ficou admirada com a entrada da casal, assim de rompante, pois sabia o homem casado e ainda a viver com a sua legítima esposa. mas depressa veio a saber-se toda a história. Nos meses em que esteve hospitalizado recebia as visitas, ora da mulher, ora da amante (a partir de agora é assim que a passarei a tratar). Só que um dia, a mulher entrou na enfermaria e viu o seu marido segurar entre as suas a mãozinha (?) da querida Engrácia. E aí entornou-se o caldo.
Depois da hospitalização, passou uns meses em casa e a situação desanuviou-se um pouco, mas mal ele pôde pôr um pé na rua foi logo ter com a sua Julieta e quando isso chegou aos ouvidos da mulher pôs-se um ponto final naquela situação. Ele teve que procurar outra pousada e a Engraciazinha acompanhou-o. Pouco depois compareceu na nossa empresa para retomar as suas funções, coisa que na prática nunca aconteceu. Com as suas actuais limitações embraçava mais do que ajudava no escritório e depressa foi nomeado como encarregado da máquina de fotocópias.
Só nessa fase da sua vida, eu conheci a D. Engrácia que agora funcionava como uma respeitável senhora casada que cumpria à risca todos os deveres para com o marido paraplégico. A trança preta, há muito, tinha ido à vida e tinha agora uma farta cabeleira loira, ligeiramente ondulada. Usava roupas muito na moda e nunca descalçava os sapatos de tacões altíssimos que lhe faziam sobressair os gêmeos. Era assim uma versão de Lili Caneças com metade da idade desta.
Só que a D. Engrácia tinha um problema que lhe criou um complexo difícil de ultrapassar. Aquela famosa trança que usava na sua juventude era sinónimo de uma pujança capilar acima da média e isso fazia-a correr, amiúde, para o instituto de beleza para remover as incómodas pilosidades. Pilosidades que em pouco tempo teimavam em reaparecer, especialmente por cima do seu lábio superior. À conta disso ganhou a alcunha de Miss Bigodes e teve muitas zangas com as colegas que olhavam para ela de canto. Se calhar mais pela ligação com o Manel engatatão do que pelo bigode que teimava em voltar sempre a aparecer.
Pouco depois da viragem do milénio, saí da empresa para a reforma antecipada e lá deixei o Manel e a D. Engrácia, cada um com os seus problemas e procurando resolvê-los sem a minha ajuda. Poucos anos depois morria o Manel, depois de milhentas infecções na bexiga que ficou a ser o seu maior problema depois do acidente. A D. Engrácia, agora uma respeitável viúva, ainda deve andar por aí, pois ter-me-iam avidado se ele tivesse morrido!
Bom dia
ResponderEliminarUma história bem curiosa que dá sempre para tirar alguma lição de vida.
Quando comecei a ler nunca pensei que assim terminasse.
Jr
Para ser sincera acho esta historieta muito mal contada. :(
ResponderEliminarEntão essa tal Dona Engrácia começa por ser a 'legítima' do desgramado Manel e depois aparece a outra com o mesmo nome? Ah, não, não me convenceu.
Boa noite e sonhe com histórias mais construtivas...
Houve divórcio e novo casamento que o Manel era filho de pai rico e não quis que a ex fizesse parte da sua lista de herdeiros.
EliminarImagino a Engrácia... boa como o milho! Por momentos pensei que estava a ler o Eça de Queiroz. Excelente prosa!
ResponderEliminarPelos amigos eu faço tudo, até me transformo em Eça!!!
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