sábado, 15 de junho de 2024

A minha rua!

 A minha rua já não é o que era, tudo mudou para pior! Só cá moram velhos, não há crianças e a morte passa por cá, de vez em quando, e ceifa mais uma. Ontem, ao fim do dia, foi a vez do meu vizinho da frente, embarcou sem dizer adeus a ninguém. Coitado, já tinha passado as passas do Algarve com um cancro que o fez andar de hospital em hospital, de tratamento em tratamento, até já não achar piada nenhuma à vida que levava. No fim do ano passado meteu-se na cama e não saiu mais de lá, outros lhe chegavam aquilo que precisava para viver.

Agora, finou-se e vai para o cemitério que é a morada de quase toda a gente. Eu escrevi quase, porque agora veio a mania das cremações e em vez de as enterrarem transformam as pessoas em fumo. Será porque o fumo sobe sempre em direcção ao céu e esperam que assim as pessoas o têm garantido? Eu não sei responder a essa questão, para mim são tudo modas e a moda actual é a cremação. E quem montou esse negócio vive contente, pois clientes não lhe faltam nem regateiam o preço.

A minha rua é um deserto, já poucos restam para além de mim e outra meia dúzia de cromos que teimam em não entregar a alma ao Criador. A Câmara Municipal levantou o pavimento todo, substituiu tudo o que eram canos velhos e enferrujados por uns novos feitos de plástico para não sofrerem o mesmo destino e tapou tudo de novo metendo uns pilaretes de aço inox em todos os lugares onde cabia um carro para não permitir estacionamentos. Colocaram umas placas a limitar a velocidade a 30 Kms/hora por haver crianças a jogar à bola e pessoas de idade a circular na rua.

Grande mentira, não há uma única criança na minha rua, para além das que habitam a creche e vão embora antes que desça a noite, regressando no dia seguinte para permitir que os pais vão trabalhar para lhe pagar a estadia. Cada vez é mais assim, as crianças vivem com estranhos, porque os pais têm que ir esgravatar o sustento, como faz qualquer galinha no quintal de um hortelão. Quando acaba a idade de viverem na creche, partem para outro destino e nunca mais regressam a este cantinho do mundo, onde vivo eu que assisti ao seu choro, todas as manhãs, quando as mães os entregam para "se fazer à vida".

Eles partem como partiram também os meus filhos e depois deles os netos que seguiram o mesmo destino, deixando-me para trás, à espera que se cumpra o meu destino, seja lá ele o que for. E assisto à partida dos amigos e vizinhos, um atrás do outro, acenando-lhes um adeus e até breve, pois já não tenho pernas para os acompanhar até à última morada. Um dia (que não virá longe) outros farão o mesmo por mim.

E a minha rua ficará para trás, cada vez mais vazia e silenciosa, sem ninguém que queira para cá vir morar, pois onde não entra carro não entra ninguém, já que, hoje, ninguém anda a pé. Na minha rua não há prédios, como acontece nas ruas onde eles, os jovens, moram. Nem árvores, nem baías de estacionamento, onde deixam os carros que não cabem em garagens e caves com estacionamentos que nunca chega para todos os moradores.

Mas essas ruas e esses prédios não têm a alegria que tinha, nos velhos tempos, a minha rua, onde brincavam crianças. As meninas sentadas na soleira das portas segurando nos braços as suas bonecas, enquanto os rapazes chutavam a bola com vontade e partiam, de quando em vez, algum vidro que lhes valia uma surra ou uns puxões de orelha. Era assim de manhã à noite, de um domingo até ao seguinte. As crianças mais velhas passavam algum tempo na escola, ora a manhã ora a tarde, mas quando regressavam à minha rua vinham com mais vontade ainda de participar na alegria e confusão geral.

Adeus, Simão, vai em paz e que o Senhor te guarde na sua glória. Mais dia menos dia, seguirei o mesmo caminho e outros repetirão estas palavras ao ver passar o meu cortejo fúnebre!



5 comentários:

  1. O texto tem alguns erros de construção, mas não quis voltar atrás e corrigi-los, lembrando-me que o Simão seguiu o seu destino e não há nada nem ninguém que o faça voltar atrás!

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  2. Bom dia amigo
    Infelizmente não é só na sua rua , mas sim na maior parte das ruas das aldeias.
    Há anos que não vejo crianças a brincar nas ruas da minha freguesia .

    JR

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  3. Tudo muda no mundo e não apenas na rua e na terra onde crescemos, quando se passam cerca de setenta anos e pelo menos duas gerações.
    Umas coisas mudaram para pior, outras para melhor.
    Toda a mudança traz o bom, o menos bom, o mau e o péssimo. Evolução é isso mesmo. 😊

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  4. Para a ideologia esquerdola e melhor encher o pais com trabalhadores tuberculosos e criminosos do que incentivar o nascimento de criancas...

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  5. Na minha rua também há muitos velhos incluindo eu e volta e meia desaparece alguém e logo, logo arranjam e arrendam ou vendem os apartamentos. Todos os apartamentos estão lotados, imensos carros e crianças não faltam.
    Falas da cremação ser um nova moda ou mania, mas digo-te que com isso a terra agradece e não há tantas campas abadonadas totalmente!

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