Cheguei aqui cheio de vontade de escrever, mas, de repente, lembrei-me que não sabia sobre o que escrever, faltava-me o assunto que é tão importante para quem escreve como a gasolina para um automóvel com motor de combustão. Sim, porque também há os elétricos, moda nova, que não precisam de gasolina para andar.
Para sair dessa situação de impasse, pus o bestunto a funcionar, dei uma volta pelo passado e encontrei uma coisa de que talvez valha a pena falar. É uma doença, é africana e é transmitida por mosquitos que era o que mais havia, em Moçambique, por isso não admira que nos meus 5 anos passados naquela terra linda - era a província ultramarina a que poderíamos chamar de «Joia da Coroa» do Império Português - aconteceu no pico do verão - lá chama-se estação das chuvas - de 67.
Os fuzileiros tinham um uniforme de combate que incluía duas peças de que raramente se fala, o poncho e a rede mosquiteira. Com o primeiro andei muitas vezes coberto, pois a chuva quando caía era de forma a permitir que os cães bebessem água em pé. Com a rede mosquiteira, muito raramente, nos lembrávamos de a levar connosco.
Mas naquele dia, por altura do Natal, o meu pelotão foi destacado para fazer uma operação, de noite, na zona do Micuio, povoação que ficava do outro lado da baía, em frente da Torre do Farol, da Base Naval de Metangula. Sabendo que era um sítio alagadiço, cheio de caniço, o mais provável era haver por lá milhões de melgas, fomos avisados para não esquecer a rede mosquiteira, pois iríamos passar a noite toda entre os caniços do Micuio.
A malta da Frelimo vinha do norte, trazendo armas e munições para os seus camaradas que lutavam na parte mais a sul do Niassa. Entre Nova Coimbra e Metangula havia muita tropa, pelo que eles se desviavam para o interior, usando a estrada que ligava Nova Coimbra a Vila Cabral e ao cruzarem a estrada que ligava Vila Cabral a Metangula fletiam para as margens do lago por onde havia picadas em direcção a sul e sem qualquer tipo de vigilância por parte das nossas tropas.
A nossa missão seria tão simples como escondermo-nos entre o caniço e ficar por ali de ouvido atento até ao nascer do sol. Mal fizemos alto, milhões de melgas começaram a assobiar-nos aos ouvidos, perturbadas na sua quietude pela nossa chegada. Cada um dos meus camaradas sacou da sua rede e cobriu a cabeça com ela para se proteger do ataque. Eu fui um pouco mais meticuloso, desapertei os botões do casaco camuflado, enrolei a rede à volta da cabeça e meti as pontas para dentro do casaco, voltando a apertar os botões. Eu queria esconder-me das melgas, mas também estar pronto para correr se isso fosse preciso sem nada que me estorvasse o passo.
Além das melgas, não tivemos mais nada que nos importunasse, os turras passaram ao longe ou não viajaram nessa noite que nós escolhemos para os esperar. Falta dizer que todas as operações levadas a cabo pelos fuzileiros eram planeadas com base em informações que a malta da Pide nos fazia chegar. Por vezes eram os interrogatórios que fazíamos aos turras apanhados no mato que nos levavam a certos lugares para confirmar se era verdade ou mentira aquilo que nos contavam. Ameaçados com umas quantas bordoadas, por vezes até confessavam coisas que não tinham feito. E os Pides não eram moles a bater.
Que tenham sido as melgas do Micuio ou quaisquer outras, o certo é que, em meados de Janeiro, caí na cama com quarenta e tal graus de temperatura e fui diagnosticado com Paludismo. À conta disso e mais algumas mazelas que me afligiam, arranjei dois meses de férias, em Nampula. Também andava um pouco apanhado do clima e disse ao nosso médico (que era um verdadeiro artolas) que era melhor tirar-me de circulação durante uns tempos para bem de todos. Ele olhou para mim e eu retribui-lhe com um olhar alucinado que o convenceu a assinar a ordem de destacamento para o Hospital de Nampula, sem hesitar.
Até sair da Marinha e entrar na vida civil, nunca mais ouvi falar de Palusismo ou tive quaisquer sintomas dessa doença. Um dia, já casado e a residir na Póvoa, apanhei uma grande constipação e o médico a quem recorri disse-me sem qualquer hesitação: - isso é Paludismo que você trouxe de África. Uns tempos depois fui ao Hospital de S. João para dar sangue a um sobrinho que lá estava internado, por causa de um acidente que sofrera. Cada doador é consultado por um médico e tem que responder a um extenso questionário, antes de lhe espetarem a agulha no braço. Quando disse que tinha estado em África e apanhado o Paludismo fui logo posto de parte.
Disse-me esse médico que o vírus do Paludismo nunca desaparece do nosso sangue. Fica adormecido até ao momento em que algo o faz despertar. Uma gripe ou constipação é capaz de o acordar e fazer-nos a vida num inferno. Nunca se ofereça para dar sangue, disse-me esse médico do S. João, pois iria passar o vírus, mesmo adormecido, para o sangue do doente que o fosse receber.
E foi assim, eu palúdico me confesso!!!
...para quem não tinha tema para dissertar, já se acusou de transportar o vírus da malária, incubado, e tudo. Bolas!!
ResponderEliminarComo diz que nunca mente, vou partir do princípio que isso é verdade.
Isso da malária/paludismo, é vírus ou bactéria?
É caso para dizer:
Perdigão mesmo com pena(s) ( com penas porque na altura era jovem)
Não há mal que não lhe venha.... Credo! 😱
Vem nas latas e nos "difusores" da Exalo, Raid, Dum-Dum e o raio que o parta. Em todo o mundo, com razão, o mosquito, macho ou fêmea, é temido e contrariado, com redes e sei lá o quê. Mas só em Portugal é que se especificam as "melgas", que são os mosquitos femininos.
EliminarPalavras do MEC.
Pelos vistos a doença não é provocada por vírus ou bactérias, mas sim por um parasita que nos é transmitido pelas melgas.
Apanhei o paludismo no Cobué e a coisa passou. Agora essa do virus nunca desaparecer deixou-me assustado...
ResponderEliminarEu apanhei-o na lagoa de Massabi " Cabinda" , fui evacuado para Luanda , onde passei umas ferias !
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