sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Albertino Veloso RIP

 


Morreram todos os sargentos da Companhia 2. Os mais antigos tinham um número de matrícula começado por 4, os do meio por 6 e os mais modernos (marretas, como se dizia na gíria) por 8, ou seja 8 mil e qualquer coisa. Era deste grupo o Albertino Veloso, foi dos últimos a entrar na Marinha, tinha que ser o último a partir desta vida (descontente). Ele que tanto amou a vida teve que despedir-se dela e partir, pois não lhe deram alternativa.

Na Armada, ele chegou a sargento da classe de monitores, na altura em que abriu a Escola de Fuzileiros e era preciso formar combatentes, a toda a pressa para seguirem para África e defenderem o Império Português do Ultramar. Por essa razão, quase todos os monitores foram transferidos para o quadro de fuzileiros, o Veloso foi um desses.

Não me lembro dele na Escola de Fuzileiros, ou ainda lá não tinha chegado ou andava noutro serviço que nada tinha a ver com a recruta. Viemos a encontrar-nos no Corpo de Marinheiros, no início de Outubro de 1962, quando começou a ser formada a CF2. O primeiro pelotão da Companhia arrancou, logo de seguida, pois havia ainda muito a fazer para terminar as obras no Aquartelamento que tinha sido construído de propósito para receber a Companhia, a primeira de fuzileiros a pisar o território moçambicano. Não o posso garantir, mas tenho a impressão que o Sargento Veloso foi um desses primeiros a seguir viagem.

Eu próprio só cheguei a Moçambique, no início de Novembro e o último pelotão uma semana depois de mim. Portanto, por volta de 10 de Novembro, estava a nossa Companhia completa, com todos os oficiais, sargentos e praças pronta para qualquer eventualidade. O terrorismo que abalara Angola, no ano anterior, estava ainda muito longe de dar sinais, em Moçambique. Quase poderíamos ter regressado `Metrópole sem ter dado ou ouvido um tiro.

Mas não aconteceu assim, quis o destino. A partir de meados de 1963, o Tenente Zilhão que comandava a Base Naval de Metangula, pediu ao Comando Naval que enviasse um pelotão de fuzileiros para lhe dar proteção, pois começavam a circular notícias que a luta da Frelimo estava para começar. O Veloso foi um dos que também passaram por Metangula nessa missão e foi no seu tempo que foi ordenada a saída de toda a gente que habitava a península, onde se situava a Base Naval, para que fosse construída a Pista de Aviação que deu um importante apoio às nossas tropas, na zona do Niassa ocidental.

Nos 3 meses que lá passou, foi essa a tarefa mais complicada que o nosso saudoso camarada enfrentou. Ninguém queria abandonar o cantinho onde nasceu e por fraca que fosse a palhota onde viviam era a sua casa. Isso traz-me à recordação a luta que foi para acabar com as barracas à volta de Lisboa. Muito choro, muitos gritos, mas tinha que ser e não podia ser de outro modo. Todo a mundo que habitava a península, a sul do hospital e escola que ali existiam, teve que  partir rumo a outras paragens. Uns ficaram em Metangula, no bairro de Seli ou Thungo, outros foram juntar-se a familiares que viviam mais longe, como Messumba, Nova Coimbra ou até Maniamba.

Quando lá cheguei, na alvorada da guerra colonial, ainda a pista não tinha começado a ser construída, mas começou, logo que lá chegou o pessoal da CF6, comandada pelo Tenente Patrício, que nos foi render, em Janeiro de 1965. Em poucos meses estava pronta para lá aterrar o primeiro avião e dar início a uma carreira semanal que só terminou com o fim da guerra.

O Veloso e eu viemos à Metrópole por uns curtos 6 meses e, em Outubro de 1965, já estávamos de novo em terras moçambicanas. Como era da praxe, ficámos em Lourenço Marques, garantindo a protecção necessária ao Comando Naval e à Estação Radionaval da Machava que eram os postos da Marinha de Guerra Portuguesa naquela Província Ultramarina. Só 11 meses depois nos mandaram avançar para Metangula para substituir a CF6 que regressava à Metrópole.

Em Vila Cabral, havia uma «Casa da Marinha» que fora ali criada para supervisionar a passagem de todos os "marinheiros" que seguiam em direcção ao Lago. O sargento Veloso era, salvo erro, o mais antigo dos sargentos e caber-lhe-ia esse lugar, o de quartel-mestre da Companhia, mas em vez disso mandaram-no para o Cobué, à frente de um pelotão que iria guarnecer aquela posição estratégica da marinha, enquanto houvesse guerra. A cada 3 ou 6 meses eram substituídos por outro pelotão e assim iriam rodando até ao fim da comissão. Num ano de permanência só 4 sargentos passariam por esse castigo e o Veloso foi logo o primeiro para que não restassem dúvidas que alguém o considerava "persona non grata" na CF8.

Como militar era um tanto rígido, digamos militarista, e só no Cobué se libertou dessa suacaracterística. Já que o tinham exilado no Cobué, quis dessa situação tirar o máximo proveito e divertiu-se à grande, tanto quanto a situação de guerra permitia, entenda-se. O oficial de comandava o pelotão ficara em metangula e ele era, por conseguinte, o grande chefe militar da zona. Esse oficial, decidiu meter-se numa lancha e ir comemorar o seu aniversário com a rapaziada do pelotão, pagando um copo a todos, do seu próprio bolso. Foi uma festa com comes e bebes, cantoria e tudo. E o Veloso era bom nessas coisas, posso garantir.

Vou deixar-vos, aqui abaixo, algumas fotos desse tempo que, na presente situação, são uma espécie de despedida da vida terrena, uma vez que agora é uma estrelinha no céu das nossas recordações. Que descanse em paz, para ele acabaram-se todas as guerras terrenas!











3 comentários:

  1. Gostei de ler este teu depoimento em homenagem ao sargento Veloso. De facto, também o recordo com alguma saudade, relativamente ao tempo em que eu era subordinado direto da sua autoridade militar, pois ele era o sargento do 1.º pelotão, da Companhia de Fuzileiros nº 2, ao qual eu pertencia. De facto, ele cultivava um pouco, a autoridade militar, e não dava grandes "abébias" a quem tivesse um comportamento menos plausível. No que me diz respeito, a minha relação com ele, era de respeito total quer como militar quer como pessoa. Notei, que ele passou a ter uma certa consideração por mim, não só pelo meu comportamento, como pela forma como eu lhe respondia a certas perguntas que me dirigia, após a leitura, daquelas tácticas de guerra com as quais nos iam entretendo, no início da nossa estadia, lá nas instalações inacabadas, aquando da nossa chegada. Portanto esta é também a maneira de eu lhe prestar homenagem à sua recordação, como meu chefe directo, como militar e sobretudo como pessoa humana.

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    1. Fiquei a saber que pertencias ao 1º Pelotão da minha/nossa Companhia, mas a identidade é secreta. Podias, ao menos, ter deixado o teu número de matrícula na Armada, 16 mil e qualquer coisa!

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  2. O sargento Veloso foi meu superior hierárquico no 1º Pelotão da Companhia nº 2 de fuzileiros, sendo o oficial o falecido tenente Mendes. Tive alguns desentendimentos com ele, mas nada de grave. No final era tudo resolvido sem que a disciplina militar fosse equacionada. Sabia como resolver os problemas pessoais de forma benevolente desde que não pisassem o risco. Ele era o verdaeiro Comandante do pelotão, porque o bonacheirão tenente Mendes estava-se nas tintas para o militarismo. Acabou tudo em bem. Agora que partiu só quero que descanse em paz. Até sempre sargento Veloso.

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