Alguém tem, alguém me empresta?
A imagem não é, nem de perto nem de longe, igual
à minha casa, mas foi o que arranjei na net.
Queria falar-vos da casa onde nasci, mas sem uma imagem, uma fotografia, um desenho que vos ajude a ver como era, torna-se difícil, seria preciso muito poder de imaginação para lá chegar.
Mas vamos tentar, concentrem-se e acompanhem a minha explicação, como se estivessem na sala de aula a ouvir o professor de desenho. Imaginem um grande quadrado de 20 por 20 metros. Agora apaguem a linha que representa o lado sul, pois aí vai aparecer outra coisa que logo explicarei o que é.
Ficaram, depois de apagar essa linha com uma forma em U com a abertura virada para sul. A toda a volta desse grande U havia construções que vou passar a enumerar. Começando pelo lado poente e seguindo de sul para norte, tínhamos a casa principal, ocupando cerca de 10 metros que era composta por dois pisos, o de baixo para os animais e o de cima para as pessoas. Depois, seguindo para norte, até ao vértice da figura que tendes no vosso desenho, ficavam 3 repartições, estas já com um piso térreo somente, que abrigavam a cozinha, os arrumos para alfaias agrícolas e lenha e por último a "loja", assim chamada por ser o lugar onde se guardava o vinho, as batatas, o milho, o feijão e o resto que a terra dava. Já perceberam, estou certo disso, que se tratava de uma casa de lavoura. Tudo isso ocupava 5 metros de largura.
Numa casa de lavoura tem que haver grandes espaços, onde se possam mexer e manobrar os animais domésticos, como boie e cavalos, animais que, nesses tempos de pobreza, faziam o trabalho que hoje é feito por tractores agrícolas, poupando os homens ao esforço que essas tarefas requerem. Por essa razão o topo norte do edifício, com paredes de mais de 3 metros de altura, a seguir aos primeiros 5 metros que eram ocupados pelas repartições que atrás descrevi, tinha um largo portão para entrada e saída do carro de bois que, ora saía cheio e voltava vazio, ora saía vazio e voltava cheio, dependendo das tarefas do dia. Até ao ângulo seguinte da figura não havia nada, mas todo esse espaço era coberto com um telhado (de telha de barro nacional) que ia da parede poente atá à parede nascente, criando um lugar abrigado para manusear e arrumar tudo que vinha de fora, até ser processado e posto nos seus lugares definitivos. Por exemplo, a lenha vinha verde da bouça (nome que se dá ao terreno ocupado por pinheiros, eucaliptos, fetos e mato que servem, estes últimos, para fazer a cama dos animais domésticos). A lenha tinha que ser estrançada (outra palavra que talvez não conheçam e que significa cortar em bocados pequenos) e seca antes de arrumada no lugar a isso destinado.
Pegando agora no desenho que tem, do lado nascente, a tal parede com mais de 3 metros de altura, e perto de 10 de comprimento ainda livres, desenhem aí um rectângulo com 5 metros de largura e estiquem-no até ao fim da linha que compõe o nosso grande U. Esse espaço foi, inicialmente, um armazém que servia para tudo e mais alguma coisa e que no meu tempo fez de cozinha, dormitório e sala de jantar.
No interior desse grande U - já referido vezes demais - ficava um espaço vazio que no Minho se chama "eido" ou terreiro, para os menos tradicionalistas, para onde se soltam os animais, seja para limpeza das cortes (estábulos), seja para serem arreados e engatados aos carros e alfaias que levavam para os campos. Normalmente, era coberto de mato e todo o resto de varreduras da casa para disfarçar ou esconder a bosta que era mais que muita. De vez em quando substituía-se tudo e o estrume, assim criado, era removido para uma montureira ou, directamente para os campos.
A parte sul da construção era fechada por uma horta, separada do eido por uma rede de galinheiro, ocupando cerca de metade da largura, talvez um pouquinho mais. Na outra metade, havia um barracão a que nós chamávamos "Varandão", pois não era mais que uma grande varanda, com dois pisos, virada para sul, por onde entrava o sol, a rodos, e servia para secar e trabalhar o milho, o trigo e o centeio, sem esquecer o feijão, antes de ser malhado, limpo e guardado para o consumo dos donos da casa e quem para eles viesse trabalhar.
Ora bem, tudo isto que vos acabei de descrever acontecia antes da II Grande Guerra. Depois, quem ali morou foi-se embora e a casa ficou uma ruína, com a água a entrar por todo o lado, as madeiras a apodrecerem e os telhados a cair. Nesse estado tinha poucas condições para ser habitada, mas ...
Estávamos no ano de 1939, tinham-se disparado os primeiros tiros da guerra e quis Deus que a minha avó Eusébia, nascida em 1852, já cansada e consumida pela doença de Alzheimer, fosse chamada à sua presença para ajustar as contas que constavam do seu Livro da Vida. Alguns pecados pesavam-lhe na consciência, como, por exemplo, ter sido mãe solteira, mas o Criador deve ter-lhe dado um bom desconto, pelos sacrifícios passados na Terra, criando esse filho e mais tarde casando para poupar um velhote à sua viuvez que lhe deu mais uma filha que viria a ser a minha avó Maria.
Nesse entretanto, estava o meu pai pronto para se casar e se não o tinha feito ainda, foi porque a noiva que era o suporte da sua velha avó, lhe tinha prometido casar apenas depois de a avó morrer. E assim aconteceu, fez-se o funeral num mês e o casamento logo no seguinte. Só faltava um lugar para morar, pois a senhoria da noiva foi logo avisando, na minha casa não quero homens. Que teria o raio da velha contra os homens? Alguma coisa seria, por isso morreu solteira.
E assim aconteceu que o meu pai conhecia o dono daquela casa abandonada, tinha sido o seu primeiro empregador, desde os 8 aos 16 anos de idade, e a ele se dirigiu pedindo-lhe para lhe alugar a casa. A casa está uma ruína, chove lá dentro como na rua, como poderás lá viver, respondeu-lhe o Sr. Loureiro, rico lavrador da freguesia onde o meu pai nasceu. Isso é problema meu, disse-lhe o meu pai, não lhe dê isso cuidado.
Reparações mínimas foram feitas pelo pai e daí em diante, aquela casa, onde eu passei os primeiros 11 anos da minha vida, foi o lar dos meus pais e da minha avó Maria que ali viveram muito felizes e criaram 11 filhos. O pai andava por fora trabalhar, era raro vê-lo, a mãe ocupava o seu tempo costurando para toda a gente da aldeia e arredores. Para a minha avó sobrava a lide da casa e aturar os netos que chegavam a um ritmo imparável. Eu fui o terceiro dessa pandilha que viveu o melhor que pôde e tem muito que contar.
Assim como podem ver por esta minha publicação que já vai longa e termino por aqui !!!