quinta-feira, 7 de agosto de 2025

A minha cerejeira!

 Agora, há cerejas à venda em qualquer canto do nosso país. As primeiras que aparecem e são a grande novidade nas Festas do Senhor da Cruz, na minha cidade de Barcelos, que acontecem no primeiro fim de semana de Maio, vêm de Resende, no Douro. Valem o seu peso em ouro e só chega a eles quem tem o bolso bem recheado. A minha pobre mãe nunca pensou em gastar os poucos tostões que ganhava na Feira Franca das Cruzes, nessas novidades.

Mas a zona de eleição das cerejas é a Cova da Beira e o concelho do Fundão. Aí a cereja é rainha e dá de comer a muita gente que vive de as cultivar de forma intensiva. Há as mais temporãs e as mais tardeiras, de modo a prolongar o negócio pelo máximo tempo possível. Começar a vender cereja em Maio e continuar a fazê-lo até fim de Agosto, ou até meados de Setembro, só é possível seleccionando cada tipo de cerejeira que se planta em cada pedaço de terra.

As encostas da Serra da Gardunha são um verdadeiro espectáculo em duas datas distintas. A primeira, no início da Primavera, quando as cerejeiras estão todas floridas. A segunda, quando as cerejas vermelhinhas aparecem entre as folhas da árvore. Basta soprar uma ligeira brisa para abanar com as folhas e mostrar as cerejas que, de outro modo se escondem da nossa vista. Nas minhas viagens profissionais subi e desci muitas vezes a Gardunha, mas nunca (que me lembre) na época das cerejas.

Já depois de reformado comecei a escolher esse caminho, cada vez que me apetecia ir até ao Alentejo. E fazia-o sempre na Primavera, antes que o calor me tirasse a vontade de sair de casa. Se não optasse por passar pelo cume da Estrela, escolhia o caminho que de Pombal nos leva a Castelo Branco e depois a Portalegre. Mas, se não fosse na ida, haveria de ser no regresso que passava pelo Fundão para encher o papo de cerejas.

Mas esta conversa toda foi apenas para vos abrir o apetite para as cerejas que quanto mais escurinhas mais doces são. Na minha infância gozei de um privilégio que poucos tiveram. A casa onde nasci inseria-se numa propriedade agrícola e atrás da casa havia uma enorme e centenária cerejeira que se carregava de lindas cerejas pretas todos os anos.

Quando o meu pai combinou com o senhorio (que foi o seu primeiro patrão, quando saiu da escola) o arrendamento da casa, este avisou-o que fora dos limites da casa e da horta que lhe estava anexa, não poderíamos entrar, de modo a evitar danos nas culturas agrícolas ali desenvolvidas. Na parte de trás da casa, do lado nascente, toda a área era coberta por ramadas de videiras e pelo meio dessas videiras furava o tronco da cerejeira que se elevava a uma altura considerável, em especial aos olhos de um puto com menos de 10 anos.

Eu sabia que estava proibido de andar por ali, mas desde que tivesse o cuidado de não partir alguma pernada das videiras ninguém daria por mim. Bem enganado estava, pois o rasto que deixava na erva alta, desde a porta da casa até à cerejeira, era mais fácil de seguir que qualquer traçado moderno guiado por GPS. Mas isso nunca me impediu de subir à cerejeira, tantas vezes quantas me apeteceu, e saborear as cerejas que me coubessem no pequeno estômago.

Nas lides agrícolas, os trabalhadores enviados pelo senhorio apareciam de vez em quando para tratar das videiras ou do milho que eram as duas culturas que ali de faziam. As cerejas só estavam comestíveis depois  das videiras devidamente tratadas e até à vindima, lá para fins de Setembro, não requeriam qualquer atenção. O milho sim que no calor de Agosto precisava de ser regado duas vezes por semana.

Mas eu já estava mais que habituado a essas rotinas e quando eles andavam por ali, as cerejas e as uvas ficavam excluídas da minha ementa. A nora que puxava a água do poço, puxada por uma junta de vacas galegas, tinha uma espera de ferro que cantava a cada lanço da roda dentada que servia para travar a nora e dar descanso aos animais, ou mantê-la travada, quando fora de uso. Quando se deixasse de ouvir aquele repetido plim-plim-plim era porque eles tinham acabado a sua tarefa e talvez ainda desse para dar um salto à cerejeira, antes de ser noite.

Depois das cerejas e das uvas, vinham as castanhas e as nozes e depois destas as laranjas que duravam até Março. Na primavera era uma secura, não havia fruta em que se pudesse meter o dente, era um desespero até que as primeiras peras ou maçãs se pudessem trincar e algumas marchavam mesmo verdes, á falta de melhor. A minha mãe, qual formiga precavida, guardava algumas maçãs que depois nos oferecia pelo Natal. Não havia dinheiro para outras prendas e tínhamos que nos contentar com o que havia.

Bons tempos esses em que eu ainda não sonhava ser benfiquista. Mas agora sou e cada vez mais convicto. Para vossa informação, ontem ganhámos aos franceses da Côte D'Azur por 2 bolas a zero!

No Minho usavam-se vacas ou touros
para puxar a nora, não havia gado muar

1 comentário:

  1. Este post fez-me lembrar 'o Conde de Alpedrinha' militar da Armada que viveu anos no Quartel da Machava. Nunca o conheci pela 'sua verdadeira graça' mas diziam que o homem era um campeão 'no engate'. Ora Alpedrinha fica na Serra do Gardunha e conheci a povoação quando fui visitar a histórica aldeia de Castelo Novo. Entretanto fiquei com vontade de ir a Young - a capital da cereja nestas latitudes - comprar um caixote delas.

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