No dia 7 de Outubro começou o Ano Lectivo 1951/1952. Eu tinha completado 6 anos, no dia 9 de Março e, supostamente, teria direito a entrar na Escola Primária nesse ano. Mas, alegando ter alunos em Excesso, a professora não aceitou a minha matrícula dizendo para lá voltar no ano seguinte.
A minha mãe não gostou nada da decisão da professora (D. Alexandrina), mas não conseguindo contrariá-la arranjou uma solução de recurso. Sendo costureira e amiga da professora (D. Josefina) que ensinava da escola da vizinha freguesia de Courel, pediu-lhe para me matricular ali, pedido de ela satisfez de imediato. A freguesia era pequena e os alunos poucos pelo que não lhe causava qualquer transtorno aceitar mais um aluno.
Assim, no dia seguinte, a minha mãe pegou-me pela mão, como convém a uma mãe cuidadosa, e passo a passo guiou-me até à porta da escola e entregou-me à D. Josefina que se encarregaria de me ensinar as primeiras letras e os 10 números que usamos no nosso dia a dia, seja para ler, escrever ou contar os poucos tostões que tínhamos no bolso, nesse tempo difícil do pós-Grande Guerra.
E em cada bifurcação ou encruzilhada do caminho, ela ia-me dizendo: - Sabes onde estamos? Fixa o caminho para não te perderes, pois no fim da escola tens que voltar para casa sozinho! E eu, sem pensar muito nas dificuldades da empreitada, ia respondendo sempre que sim. A tiracolo levava a bolsa feita de cotim e dentro dela a ardósia (lousa) e o respectivo lápiz feito do mesmo material. Já não me lembro bem, mas diria que nesse primeiro dia era tudo o que levava, além de um naco de broa para comer na hora do recreio.
No fim da aula, à hora do almoço, não tive a mínima dificuldade em fazer o caminho de regresso a casa. E assim continuei a fazer em todos os dias úteis, até ao fim de Junho do ano seguinte. Com o começo do inverno, a saída de casa era ainda no lusco-fusco das manhãs frias e, por vezes, chuvosas. Nunca usei guarda-chuva para me abrigar e ainda não era conhecido o plástico. Os sapatos nunca se molhavam, pois andei sempre descalço até ir a exame da 4ª Classe. Usei muitas vezes um saco de serapilheira, dobrado em forma de capuz, que punha na cabeça e me cobria as costas até à altura dos joelhos.
À luz da vida que, hoje, levam as nossas crianças isto pode ser difícil de acreditar, mas foi assim, sem tirar nem pôr, que passei aqueles 9 meses. O caminho era longo, cerca de 3 quilómetros por entre pinhais e era preciso dar muitos passos com as minhas ainda curtas pernas para ir de um extremo ao outro.
Até a mim custa a acreditar que a minha mãe tenha tomado tal decisão, pois mandar uma criança de seis anos caminhar 3 quilómetros por entre campos e pinhais, para não atrasar um ano a instrução primária do seu filho mais velho. Mas ela era de ideias fixas e quando tomava uma decisão não havia quem a fizesse voltar atrás.
A cozinha da casa onde nasci ocupava a parte norte de um barracão de tamanho considerável, em que ao centro funcionava uma espécie de sala comum e na parte sul o dormitório, onde dormia a minha avó coma as duas netas mais novas e num catre improvisado pelo meu pai, colocado aos pés da cama da avó, dormia eu e um irmão 2 anos mais novo. A minha mãe e o meu pai (quando estava em casa, coisa rara) dormiam na sala de costura e as minhas duas irmão mais velhas numa divisão ao lado a que chamávamos a "sala velha".
Pelas 7 e meia da manhã, a avó "suscava-me" para fora da cama e dava-me o pequeno almoço que quase sempre, pelo menos no inverno, constava de uma tigela de migas de broa de milho. E pouco depois, de sacola ao ombro, lá ia eu a caminho da escola de Courel que muito mas ensinou, mas de pouco me serviu, pois no ano lectivo seguinte a D. Alexandrina matriculou-me, de novo, na 1ª Classe e não houve palavras da minha mãe que a conseguissem fazer alterar tal decisão.
Criança sofre, dizia um humorista de quem já não recordo o nome! E esse ano de escola em Courel foi-me bem pesado, para além de não ter servido de nada, a não ser dar chatices à D. Alexandrina, pois eu já sabia tudo aquilo que ele fazia os possíveis por ensinar aos meus colegas de turma, por vezes com pouco sucesso, o que me dava a chance de me armar em "sabão". Ainda levei uns quantos bolos por causa disso e o maior culpado era o Delfim, meu colega de carteira, que passava o dia a queixar-se à professora dos meus dotes de sabichão.
Depois de todos os anos que passaram e das mudanças ocorridas em Portugal e no mundo, recordo com saudades os tempos da minha infância, mas não esqueço as dificuldades que tive até ser adulto e dono da minha própria vontade!
O 7 de Outubro sempre foi uma data terrivel! O fim das férias e 'as reguadas' de um professor gordo e careka que mais parecia um carrasko da Idade Média... Deixavam-me sempre com vontade de desertar!
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