Ontem, foi dia de ir ao barbeiro. O Vitor, assim se chama o dono do negócio que mantém aquilo aberto com a ajuda da filha - mais velha que já deixou cá, com menos de um anos de vida, quando partiu para Moçambque - e do filho.
Dá-se a coincidência de ele ter andado na Guerra Colonial e ter percorrido os mesmos caminhos que eu, embora em tempos mais recentes. E, quando me sento na cadeira, é certo e sabido que temos que falar de Metangula, de Nova Coimbra, de Meponda, do Catur, de Belém e Nova Freixo, lugares por onde ele passou e que me são familiares. Eu passei por lá, como uma rajada de vento, ele amargou por ali uma comissáo inteira de 24 meses, ou perto disso. Excepção feita a Metangula, onde foi ele que passou, em cima de uma Berliet, a caminho de Nova Coimbra, e eu vivi durante um ano e meio.
Tenho que procurar algo que me lembre de não ter sido mencionado na minha visita anterior, senão a conversa parece um disco riscado em que a agulha não consegue ultrapassar o risco e fica a martelar na mesma tecla, até ser desligado. Valha-me a minha boa memória que ainda funciona como um relógio suíço.
Ele já era barbeiro, quando foi chamado para a tropa, aprendeu em casa com o pai que era o barbeiro do nosso bairro, deve ter escapado de muitas saídas para o mato com a desculpa que fazia falta no quartel para aparar os cabelos e barbas de toda aquela gente. Cada batalhão tinha 4 companhias, 3 de atiradores e uma de comando e serviços. Normalmente, barbeiros, escritas, corneteiros e outros que tais ficavam na CCS para facilitar as coisas. Ele começou a comissão na zona de Nova Freixo, onde a actividade guerrilheira era pouca ou nenhuma, foi até Nova Coimbra, onde passou 6 meses, e regressou de novo à zona anterior, Catur, Nova Freixo e Massangulo, onde estava estacionado o seu batalhão.
No meu tempo, a estação do Catur era o «Fim da Linha» que vinha de Nacala e parava ali até que houvesse dinheiro disponível para a prolongar mais para norte, a caminho do Lago. Para facilitar o movimento das tropas o Salazar lá arranjou uns cobres extras e começou a assentar carris, até Vila Cabral, onde chegou em 1969. Como o Vitor ainda não tinha chegado a Moçambique, nessa altura, escolhi o assunto para a minha visita de ontem.
Locomotivas com um rebenta-minas à frente, soldados armados com metralhadoras ligeiras, instalados num furgão que seguia entalado entre os dois, emboscadas pelo caminho, granadas-foguete disparadas do meio do mato, quando o comboio passava em lugares mais quentes. De tudo isso falámos, muito embora eu pouco tenha presenciado - só por ali passei uma vez e foi sempre a andar - e o Vitor talvez tenha cortado mais cabelos que outra coisa qualquer. Não me parece que a guerra dele tenha sido muito dura.
Ainda lá vou mais uma vez, antes do Natal, e tenho que ir organizando as minhas ideias para saber do que vamos falar, nessa altura. Talvez a festa de Natal seja um bom assunto, eu passei 6 natais, em Moçambique, 2 deles em Metangula e se puxar pelas lembranças do Vitor, talvez arranjemos assunto para meia-hora de conversa. Um Natal no mato, sem o mínimo de condições para comer um bom jantar de consoada e beber uma garrafa de vinho, é coisa para lembrar. Nós, os marinheiros, não passávamos por esses apertos, em Metangula tínhamos instalações 5***** e na Machava não faltava nada, desde o bacalhau `"água-de-Lisboa"!
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