Sempre me questionei se a palavra cabaço, muito ouvida em Moçambique, seria o masculino de cabaça. Cabaça era muito usada na minha infância para transportar vinho ou aguardente, raramente água, para os trabalhadores que labutavam nos campos agrícolas. Antigamente, bastava dizer campos para se saber a que nos referíamos, agora podem ser de futebol, de ténis ou até de aviação. Por isso eu disse agrícolas para perceberem a que trabalhadores me refiro.
Nesse tempo, antes de a guerra vir desgraçar tudo, para um pai moçambicano era uma alegria ter filhas, quantas mais melhor. E porquê, perguntarão vocês, aqueles que nunca puseram um pé em África? Porque as raparigas negras, a partir dos 15 anos, estão mais que prontas para a vida sexual e começam a ficar debaixo de olho daqueles que são candidatos ao casamento. Em termos modernos deveria dizer "união de facto", pois casamento não havia mesmo.
Sempre que um pretendente queria uma dessas catraias dirigia-se ao pai e discutia com ele o preço a pagar para lhe levar a filha. Nos meus tempos iniciais, em Moçambique, lembro-me de ouvir dizer que o preço de um cabaço - dizia-se assim se a miúda fosse virgem, o que era atestado por uma das velhotas da família (ou tribo) - andava à volta de mil escudos, um barril de 100 litros de vinho e um cabrito de 10 kilos. Os preços variavam um pouco, conforme a beleza da catraia e o número de pretendentes que abordava o seu pai. Vender logo à primeira era mau negócio e um pai experiente nunca ia nisso. Deixava ir o primeiro e até o segundo com a desculpa que a filha ainda era nova demais para ser "vendida". Se o pretendente voltasse à carga, os mil escudos já se tinham transformado em mil e quinhentos.
E nesse negócio havia uma regra que era discutida e aceite sem problema pelo pai. Se a sua filha fosse infiel ao marido, poderia ser devolvida ao pai e ele teria que devolver o dinheiro que recebeu. O vinho e o cabrito não, pois isso tinha servido para festejar o casamento, todos comeram e beberam à custa da noiva, desejando-lhe as maiores felicidades e se algo deu errado não foi culpa do pai.
As mulheres, cujo casamento não dava certo, regressavam a casa do pai. Quando era o homem a desfazer o casamento não havia lugar a indemnização e o pai podia vender a filha de novo, se lhe aparecesse um pretendente. Nesta caso, o preço era reduzido para metade, o que se compreende, pois se tratava de mercadoria em segunda mão.
Durante a guerra, dita colonial, a população masculina disparou, foram da Metrópole para lá muitos batalhões do Exército, muitos fuzileiros, paraquedistas, polícias, etc.. E como eram raros os que levavam as mulheres consigo - era um privilégio para oficiais e alguns sargentos apenas - havia que procurar uma da população local que lhe tomasse o lugar. Só que era difícil arranjar um cabaço e aproveitavam o que havia pelo melhor preço que conseguiam negociar. Conheci um par de camaradas fuzileiros que foram por esse caminho e no fim da comissão foram entregar a filha ao pai.
E voltando à cabaça de que falei no início deste texto, ela é uma espécie de abóbora defeituosa que forma um pescoço na parte que fica junto ao pé. Há quem tente modelá-las, enquanto são ainda pequenas, apertando-lhe o "pescoço" para que não alargue naquele ponto. A minha avó enchia-a com água-pé e levava-a para a horta, quando o trabalho era mais demorado ou mais pesado. De quando em vez, parava, limpava o suor da testa e bebia um trago da cabaça, antes de voltar para a enxada e continuar a tarefa que se tinha imposto. Não havia homem em casa, os trabalhos mais pesados ficavam para ela. Quando eu nasci, já ela levava 54 anos de vida e trabalhava como uma escrava. E eu? Eu ajudava no que podia com as minhas fracas forças de rapaz de menos de 10 anos de vida!
Para os esquecidos como eu... este post alegrou o dia!
ResponderEliminarNeste espaço sempre aprendemos algo.
ResponderEliminarA cabaça já eu conhecia, o cabaço, fiquei a saber...pobres raparigas!
Nem lhes era dado o direito de escolher com quem queriam 'casar'.
Comercializadas como se mercadoria fossem...
Hoje é muito pior, como não têm meios de subsistência entra tudo pela porta da prostituição.
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