quarta-feira, 16 de agosto de 2017

As «Botas de Atanado»!

Há tempos, falei nas minhas botas de atanado que me foram distribuidas quando me alistei na Marinha, nos últimos dias de inverno de 1962. Muita gente arregalou os olhos, pois nunca tinha ouvido falar neste tipo de botas, nem fazia a mínima ideia do que se tratava. Se o "espertinho" que fez a lista do material que era distribuído a cada um dos recrutas tivesse escrito "botas de couro", já ninguém ficaria admirado.


Eu também nunca tinha ouvido o termo, mas quando peguei nelas e vi que eram de couro, nunca mais me preocupei com esse nome arrevesado. Quando cheguei a Vale de Zebro, numa famosa sexta-feira à noite, fui recebido pelo mais que famoso sargento Trindade que tinha uma voz de trovão e era grande com'ó caraças. E ele foi logo avisando:
- Amanhã, formatura às 8 horas, farda de cotim e botas de atanado!
Não tinha nada que enganar, foi a farda de cerimónia que tinha vestido no dia anterior, depois de um banho de água gelada. Só tinha que guardar os sapatos pretos da ordem no cacifo e sacar as botas que ainda estavam no mesmo saco onde veio tudo o resto.
Aprender a marchar e marcar passo, convenientemente, dava muito trabalho. E a sola das botas é que pagava as favas.
- Levanta-me esses braços até à altura do ombro, dizia o sargento Bicho.
E era uma risada total, quando alguns não atinavam com o movimento correcto, quando avançavam com o pé direito e o braço do mesmo lado, parecia que iam a guiar uma bicicleta.
- Bate com esses tacões com força no chão que quero ouvi-los, dizia o sargento de novo.
E ao fim de uns dias estavam os tacões todos rotos e as solas com um buraco ao meio, por onde saíam as meias pretas. Vendo que o prejuízo era grande, depressa mudaram de estilo e começamos a fazer a «Ordem Unida» de fato-macaco e botas de borracha. E aí já não se ouviam os tacões a bater no chão, quando o Bicho, já farto de nos aturar, berrava:
- Ordinário, marche!
- Vá chamar ordinário ao seu pai, dizia o "Penconis", em voz disfarçada, lá do fim da formatura.
- Alguém disse alguma coisa, refilava o sargento.
- Não, senhor sargento, respondia, em coro, toda a formatura.
- Bem me parecia, dizia o Bicho para arrumar com o caso.
Para terminar esta minha "alembradura" matutina, quero acrescentar apenas que a palavra atanado provém dos taninos usados para curtir o couro de boi. Por conseguinte botas de atanado eram botas feitas de couro de boi curtido com taninos. A coisa mais simples do mundo, depois de bem explicada, claro!

5 comentários:

  1. Por falar nele, o Bicho, agora 1º Tenente, mora perto de Condeixa e não tenho notícia que já tenha morrido.

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  2. Acho que conheci o Bicho... mas a recruta em 68 era na EAM

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    1. Ele fez comissão em Moçambique, na CF6, entre 65 e 67 e, mais tarde, na CF10, entre 71 e 73, já como oficial.
      No período entre 67 e 71 deve ter andado a dar instrução, além de ter frequentado o curso de oficiais, o que deve ter feito logo que regressou de Moçambique, em meados de 1967.

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  3. Quem já se foi, foi o sobrinho 17608, o Bicho acho que ainda é vivo.

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  4. Tenho uma ótima impressão do sargento Bicho enquanto instrutor do nosso pelotão .
    Recordo que, como nos era aconselhado, lhe entreguei para guarda, as poucas economias que trazia comigo quando assentei praça. Obviamente, devolvidas logo que necessitei delas.

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