Corria o ano de 1965. Eu tinha acabado de completar 21 anos e era, por conseguinte, maior e vacinado. Estava na Escola de Fuzileiros e frequentava o Curso de 1º Grau para ficar apto à promoção a Marinheiro (posto) e ingressar no quadro da minha classe.
Já tinha dado umas voltas por Palhais, Santo António da Charneca e até pelo Barreiro tentando "catrapiscar" uma miúda que quisesse namorar comigo. O namoro é o estado que antecede o noivado, a que se seguirá o casamento se a relação se tornar séria e prometer um bom futuro, mas não era bem isso que eu tinha na ideia, quando dei essas voltas. O que eu procurava era uma companhia para o tempo morto que eu não sabia se duraria muito ou pouco.
O país estava em guerra e a Escola de Fuzileiros era uma fábrica de combatentes que, nessa altura, formava cerca de 2.000 por ano que seguiam para África, repartidos pelos 3 teatros de guerra, logo que terminavam a formação. Havia ainda os que já lá tinham estado e regressaram para continuar e aperfeiçoar a sua formação, como era o meu caso.
Nessa situação, um jovem de 21 anos não fazia a mínima ideia de qual seria o seu futuro e não podia, por essa razão, assumir grandes compromissos naquilo que a namoros respeita. Mas, não dando muita atenção a isso, eu continuei as minhas "pesquisas" e um certo dia conheci a Filomena. Ela era uma miúda engraçada, tinha uma voz rouca e apenas 17 anos de idade.
Ela trabalhava no Barreiro e um dia fui esperá-la, à paragem da camioneta da carreira que a trazia até Palhais. Acompanhei-a a casa e conheci a família (pai, mãe, irmão e duas irmãs) e não fiquei muito entusiasmado pelo que vi. Mas como um cabeça no ar com apenas 21 anos de idade, eu não dei muito valor a isso e "siga para bingo".
Num dos encontros seguintes, começava a ser tempo de trocarmos uns beijos, achei por bem perguntar-lhe se queria namorar comigo. Ela olhou para mim com cara de assustada e desatou a chorar. Muitos anos depois, eu aprendi que as lágrimas de uma mulher são um meio para quem as derrama obter o que quer, mas nessa altura eu ainda vivia no mundo da inocência e nem fazia ideia que isso pudesse acontecer no mundo real.
E ainda hoje, ao pensar nisso, acredito que a Filomena pensava que depois da confissão que estava prestes a fazer-me, eu viraria as costas e nunca mais lhe apareceria pela frente. Então, porque choras, perguntei eu enxugando-lhe as lágrimas? Porque eu estou desonrada e tu não vais querer namorar comigo, assim!
Porque não, disse eu armado em forte. Queres contar-me o que aconteceu, tens algum compromisso com o homem que te fez isso? Quando aconteceu isso, tu és ainda uma criança? Ela continuava a chorar e levei aquilo à conta do desapontamento que sentira ao ver que o responsável pelo acto não se interessara mais por ela. E se ainda pensava nele, o nosso namoro não prometia grande futuro.
Mas não, não era nada disso, ela nem conhecia o "cara" de lado nenhum. E então contou-me uma história que envolvia a irmã dela, mais velha 3 ou 4 anos, que andava de namorico com um camarada fuzileiro. Aquilo era muito mais que namorico, cada vez que se encontravam havia sexo a sério. E ela precisava da irmã para a encobrir aos olhos do pai e da mãe.
Antigamente era assim mesmo, não deixando a pecadora sozinha, havia menos hipóteses de ela cair em tentação. Vou passear com a mana, dizia ela à mãe, e lá partiam as duas para ela se encontrar com o seu fuzileiro. Suponho que já combinado com a namorada, ele, um certo dia, apareceu com um camarada que deveria emparelhar com a Filomena que nunca tinha namorado com ninguém.
Já não recordo se foi no primeiro encontro ou num dos seguintes, a irmã aconselhou-a a avançar para coisas mais sérias (???) que era para prender o namorado. Estavam elas de visita a uma irmã mais velha (só pelo lado da mãe) que vivia em frente da Escola de Fuzileiros, à entrada da Mata da Machada que era uma espécie de campo de treinos dos fuzileiros. A irmã andava na lide dela e os quatro namorados foram-se afastando, lá para o fundo do quintal.
E foi nesse dia que tudo aconteceu, o fuzileiro avançava e a irmã piscava-lhe o olho, como que a dizer que lhe abrisse as portas, ao mesmo tempo que ela com o seu namorado já iam a meio do assunto que ali os levara. Faz como eu, parecia ela dizer à irmã, vês como meu namorado gosta de mim e nunca me larga?
Coitada da Filomena, no meio de um mar de lágrimas e beijos foi desonrada para gáudio da irmã que depois lhe segredou, "isto é um segredo só nosso, não contes a ninguém que eu também faço o mesmo". E depois daquele episódio, muitas vezes a ameaçou de contar tudo à mãe, quando tinham uma qualquer desavença. A irmã andava à rédea solta, ia aos bailes ou ao cinema, à noite, ao Barreiro e por aí fora. A Filomena garantiu-me que nunca mais se encontrou com o vilão que a tinha desonrado, mas eu fiquei sempre na dúvida se isso seria verdade.
Confesso que não tinha a mínima ideia de regressar a Moçambique, mas acabado o curso começou a falar-se do nosso futuro e alguns amigos vieram ter comigo e dizer-me que nós seríamos incorporados numa nova Companhia que estava a formar-se para ir para Moçambique, ou numa outra que seria formada a seguir e iria para a Guiné. Haveria sempre alguém que não iria para lado nenhum e muitos camaradas meus da CF2 meteram o requerimento para passar à disponibilidade e conseguiram que fosse aprovado.
Eu, no entanto, pensava seguir na Marinha e não queria ir bater com os ossos na Guiné, portanto segui o conselho do Valter que era o mais interessado em regressar para os braços d namorada que deixara em Lourenço Marques, e ofereci-me como voluntário para a Companhia 8. Comigo e com o Valter seguiram cerca de 20 elementos da antiga CF2 e, no fim de Outubro, já estávamos, de novo, na mesma caserna do Aquartelamento da Machava de onde saíramos em Março.
E a Filomena, perguntarão vocês? Foi bom enquanto durou, respondo eu, e não durou muito. Quando chegou a hora da partida, preferi não lhe contar nada nem ficar preso a um namoro por correspondência. Achei que ela me esqueceria depressa e teria ainda tempo de encontrar um homem bom que a fizesse feliz. Quando eu regressasse de Moçambique, se regressasse, logo veria se havia uma hipótese de reatar com ela.
Mas isso não aconteceu, pois ela, entretanto, casara com um camarada fuzileiro. Nunca cheguei a descobrir se era o tal ou outro qualquer. Soube que ela teve um filho, logo no primeiro ano do casamento, e ainda houve quem afirmasse que o pai era eu! Talvez devesse, mas nunca quis tirar isso a limpo!
Mais um interessante relato, porém fui encontrar uma frase muito em voga durante o Estado Novo que já não ouvia desde que fui apanhado em flagrante delito na marmelada com a Ivone - na Santa Apolónia Station... Uma frase que coraria de pudor a governanta do Salazar Essa do 'Estou desonrada' foi o máximo!!! E embora não seja um filólogo acredito que essa famosa frase seria mais tarde substituída por 'Já perdi os três' que acredito ainda se mantém no activo nas poucas meretrizes-nacionais que porventura ainda circulam na Baixa Pombalina.
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