Onde estavas no 25 de Abril, é costume perguntar-se. Eu acordei à hora dos costume, fiz a minha higiene matinal, tomei o pequeno almoço e fui trabalhar que era o que mais me interessava. Lembro-me que nessa data ganhava 7 contos por mês (uma pequena fortuna para a época e um privilégio por dominar a Língua Alemã) e esperava com ansiedade que chegasse o dia 30 para os meter no meu bolso. Eu era o único a trabalhar na família e as despesas tinham que ser pagas. Quando começaram a chegar alguns colegas mais bem informados, logo puseram a circular "o boato" de que estava uma revolução em curso para depor o governo "dito fascista". Confesso que até aí só tinha ouvido esta palavra nas conversas em que aparecia o Hitler, o Mussolini ou o Generalíssimo Franco.
Afinal, o boato era muito mais que isso e no dia seguinte, logo de manhã, já se sabia que o negócio era mesmo a sério. E isso punha-me nas mãos um problema de todo o tamanho. A empresa em que eu trabalhava e uma outra da zona da Serra da Estrela tinham combinado um almoço de confraternização entre trabalhadores das duas empresas, precedido de um grande jogo de futebol, agendado para o dia seguinte, 27 de Abril, um sábado. Eu era o responsável pela organização, tinha os autocarros alugados e do outro lado uma equipa de cozinheiros e muitos ajudantes para preparar o almoço que tinha que ser uma grande festa e criar um laço indestrutível (ao nível dos negócios) entre as nossas empresas.
E agora, o que fazer? Cancelar tudo ou andar para a frente e seja o que Deus quiser? Ainda imbuído do espírito fuzileiro - sempre pronto para o ataque - tudo fiz para que os planos se mantivessem. E assim foi, às 6 da manhã desse sábado, lá partimos de Vila do Conde a caminho de Seia, onde a coisa acontecia. Logo ao fim de 3 Kms percorridos, na ponte do rio Ave, uma patrulha do Exército, armada até aos dentes e com uma auto-metralhadora a forrar-lhe as costas, mandou parar os autocarros.
- Para onde vão vocês a esta hora, perguntou o oficial que comandava as tropas?
- Para Seia, temos um jogo de futebol marcado para as 11 horas e já não é nada cedo.
- Vocês estão malucos? As estradas estão todas bloqueadas, há tropas de arma na mão por todo o lado e o mais certo é não passarem do Porto.
Muita conversa, muita diplomacia e uma boa dose de loucura (própria da juventude) à mistura, conseguimos convencer o dito oficial a levantar a barreira e seguimos caminho. Acreditam se eu vos disser que, até chegarmos ao nosso destino, não vimos nenhum militar nem sequer um simples agente da PVT ou GNR que nos viesse incomodar.
Quanto ao programa da festa correu tudo bem. Já não me lembro bem, mas tenho uma ideia que perdemos o jogo. Eu era defesa esquerda e devo ter sido um autêntico coador, deixando passar por mim os avançados da outra equipa. O almoço foi uma maravilha, trocaram-se presentes, houve discursos, como é da praxe. O patrão da empresa de Seia era um Sr. Comendador, ainda nomeado pelo Salazar, e o patrão da minha viria a ser, anos mais tarde, nomeado por um governo socialista pós-revolução.
Durante a tarde foi a confraternização entre os trabalhadores das duas empresas e na hora de abalada dos autocarros, houve muita gente que não queria regressar a casa. E eu, como responsável pelo grupo, tive que ficar para trás para tomar conta dos insurretos que se recusaram a entrar no autocarro. Seguimos mais tarde em dois carros ligeiros, disponibilizados pelo Sr. Comendador e só cheguei a casa, com toda a gente preocupada sem saber por onde eu andava, eram quase 7 horas da matina de domingo, dia 28 de Abril.
Nessa altura já estava tudo (???) resolvido. Já o Tomás e o Marcelo tinha sido postos a bom recato, a PIDE deposto as armas e o General Spínola assumido o comando do MFA. O Povo estava em festa (que dura até hoje) e tinha ideia (errada) que todos os seus problemas estavam resolvidos. Mas, de facto, não estavam, tal como não estão ainda, decorridos 47 anos. Ainda morreram mais uns quantos soldados portugueses na Guerra Colonial que se prolongou até 1975, embora raramente se fale nisso.
A revolução foi um bom achado para os políticos, especialmente os de esquerda, que viram partir-se as amarras que os mantinham presos, há décadas, assim como para os militares que bem remunerados e sem guerra que os chateasse viveram felizes, desde esse dia até ao presente. Eles eram tantos que, para justificar os aumentos de ordenado que exigiam ao governo, foram criando novos postos, em todas as classes, oficiais, sargentos e praças. Só para referir um caso, havia 3 sargentos - 2º + 1º + Ajudante - e passaram a ser 5 ou 6, nem sei ao certo.
Quanto ao Povo, ganhou a liberdade de "botar a boca no trombone" sempre que lhe dá na veneta, mas muito pouco mais que isso. A Saúde e a Educação estão melhores? Sim, mas a que preço? Perguntem aos jovens que pagam IMI acima de mil euros e aos que pagam a água canalizada ao preço do vinho, se estão satisfeitos com a situação que se vive em Portugal. Os retornados perderam tudo e viram a sua vida virada do avesso, a emigração continua e a falta de emprego não é muito diferente dos velhos tempos. Quem estiver contente que fale, eu não deito foguetes ao 25 de Abril!