sábado, 16 de dezembro de 2023

Falar de quê?

 Como não me apraz falar de Política, de Socialismo e outras merdas semelhantes, deixando o futebol para mais tarde, pois este fim de semana vai haver uma revolução na classificação geral da I Liga, escolho trazer à baila a Revista da Armada, órgão elitista da Marinha de Guerra Portuguesa.

Serve-me a dita para acompanhar, em pensamento, os meus camaradas marinheiros até à sua última morada, pois mais tarde ou mais cedo todos acabam por embarcar para a outra banda. A Caronte do nosso destino encosta à margem do rio da nossa vida e chama por nós, avisando que chegou a hora.

Ninguém se pode recusar a embarcar, o barqueiro traz com ele a «Guia de Marcha» assinada e carimbada pelo S. Pedro que é o Guarda-Mor do Livro do Destino, em que o nosso nome foi impresso, no dia em que abrimos os olhos para este mundo de Deus. No mês passado, li o nome de 3 camaradas que tinham encetado a última viagem, este mês, último do do Ano da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo (era assim que se escrevia nos tempos antigos) é o nome do Capitão Tenente Moisés Almeida que encabeça a lista dos viajantes recolhidos pela Caronte, todos os outros me são desconhecidos.

Conheci o Moisés ainda com as divisas de Cabo nos ombros, tinha acabado de se formar fuzileiro, o que lhe garantiu o direito a receber as divisas de sargento que de outro modo demoraria anos a conseguir. Abro aqui um parêntesis para dizer que muito boa gente ganhou com a guerra que me levou a África. Na Marinha foi aberta a Classe de Fuzileiros e tornou-se necessário preencher todas as vagas à pressa.

Todos os quadros das outras classes estavam estagnados, não havia promoções ao posto seguinte sem que alguém morresse ou se reformasse. Ao abrirem vagas para a classe de fuzileiros foi uma debandada, grumetes, marinheiros e cabos apressaram-se a dar o nome para entrar no Curso de Conversão seguinte e assim mudar para o quadro em que não faltavam vagas. Foi esse também o caminho escolhido pelo Moisés que, há pouco tinha recebido as suas divisas de cabo e ali ficaria até ir para a reforma, era quase uma certeza.

Na Primavera de 1965, apresentou-se na Escola de Fuzileiros, aprendeu a manejar a nossa G3, deu uns mergulhos no lodo, foi até à Arrábida, deu uns tirinhos para treinar a pontaria e, bom e aplicado aluno como ele era, foi aprovado e autorizado a colocar as tão ansiadas divisas de sargeto nas suas platinas. E, logo de seguida, juntou-se a mim e partimos para Moçambique, tinha chegado a hora de pôr em prática as teorias sobre a Guerra de Guerrilha aprendidas na Escola.

Felizmente, para nós os dois e o resto da CF8, a comissão foi um passeio. Ele ainda esteve, durante 3 meses, desterrado no Cobué, ponto mais a norte, onde chegava a protecção da Marinha, no Lago Niassa, mas a guerrilha da Frelimo nunca chegou a ter a força necessária para os incomodar. Nada que se compare com a Guiné, onde os Turras mantinham as nossas casernas debaixo de olho dia e noite e se fartavam de descarregar morteiradas sobre elas, a qualquer hora, não deixando os meus camaradas que por lá passaram, dormir um sono descansado. Em Moçambique não havia disso para a Marinha que no Exército outro galo cantava. Eles padeceram muito e alguns ainda padecem agora com o bestunto avariado e sem conserto.

Enfim, não gosto da Revista da Armada, por ser aquilo um feudo dos «Oficiais de Marinha» e só deles fala e só a eles tece louvores. Nós, as Praças, temos direito a aparecer (apenas) na Necrologia, quando a Marinha, para nós, já não tem qualquer significado. Eu que não sou reformado da Marinha, nem a isso terei direito. Que se dane !!!

Quando vejo malta de 63, 68, 69, 78 e até 82 embarcar na Caronte,
adivinho que a minha hora não deve vir longe!

3 comentários:

  1. Um pouco tétrico. Meu marido também leva o tempo a falar nela. Sempre lhe digo que nos devemos preocupar com coisas que desejamos e não sabemos se poderemos ou não ter. O que está certo não nos deve dar cuidado, quando chegar chegou. Outro vício dele quando recebe a revista é ir ver quem morreu. Deve ser uma daquelas manias dos homens.
    Abraço e saúde

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  2. Isso de falar na hora derradeira e julgar que ela se aproxima, já é uma obsessão. Quanto mais nela falar mais lembra o São Pedro da sua existência.
    Faça como eu, finja-se de 'morto' e não ligue à carantonha dessa tal de Caronte... 😋

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  3. Quando conheci o Moisés já era Sargento. Foi instrutor de armamento na Escola de Fuzileiros e mais tarde camarada na CF2. Topava-se que o homem tinha nascido para ser militar.

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