Há datas que nos ficam registadas na memória, ora por boas ora por más razões. O dia 2 de Agosto ( do ano de 1971) é sempre lembrado por mim como a data mais marcante na minha vida. Depois de sair da Marinha precisava de dar um novo rumo à minha vida. O primeiro emprego que arranjei não me servia, pois o salário era uma miséria que não chegava para dar de comer à mulher e filha, por isso aventurei-me na emigração. A Alemanha (ainda a Federal) foi o destino escolhido, com um contrato de trabalho na indústria metalúrgica.
Não posso dizer que a experiência tenha corrido mal. Aprendi um pouco de alemão, o que me abriu a porta para o emprego seguinte, e fui pago como se eu fosse um alemão igualzinho a todos os outros que trabalhavam comigo. Comecei a ganhar 5.50 DM/hora, valor estipulado no contrato, mas cedo comecei a subir, o meu chefe dizia que eu tinha que ganhar o mesmo que os outros que faziam o mesmo trabalho. Aos 6 meses já ganhava 7.00DM/hora e quando me despedi já ia dos 7.50DM.
Ao fim de um ano daquele trabalho pesado, decidi que não era aquilo que eu queria para o meu futuro e teria que procurar outra coisa que estivesse mais de acordo com a minha maneira de ver o mundo, a minha experiência e os meus saberes. Tirei o mês de Julho de férias, em Portugal, para ver se encontrava um emprego que me tirasse da emigração e pagasse o suficiente para sustentar a família. O meu chefe sabia quais eram as minhas intenções e na despedida disse-me que teria a porta aberta para o regresso se as coisas não me corressem bem. Ainda, hoje, recordo o aperto enérgico com que despediu de mim, desejando-me sorte. Ele tinha um nome que nunca me saiu da memória, Falkenberg, que é o nome de uma pequena cidade a sul de Berlim.
Em Portugal, muitas portas se me fecharam na cara e já o mês de Julho caminhava para o fim, quando a minha sogra me disse para ir à Maconde, uma empresa holandesa que 2 anos anos tinha comprado uma antiga fábrica de confecções falida e a tinha posto a funcionar com algum sucesso. Eu não acreditava que era ali, mesmo ao pé da porta, que iria encontrar o que tanto procurara, mas segui o conselho e fui lá bater à porta.
O senhor que me atendeu era um holandês de meia idade, já com os cabelos todos grisalhos e que, por sorte minha, só falava a sua língua materna e alemão. Eu ia preparado para uma entrevista em inglês, mas quando ele me disse que tinha que ser em alemão, pois de inglês só sabia dizer good morning e pouco mais. Fiquei um tanto receoso da qualidade do meu alemão, mas o dele não era muito melhor que o meu e entendemo-nos bem. Eu não tinha qualquer experiência no trabalho de escritório, mas ele disse que isso não era problema, pois só teria que orientar o pessoal posto às minhas ordens.
Tudo combinado, ele disse-me assim: - amanhã, vamos de férias e só regressamos no dia 2 de Agosto, às 9 horas desse dia espero por si. Quando, um tanto a medo, lhe perguntei que salário iria ganhar, pois por menos de 3 contos preferia regressar à Alemanha, ele disse que isso não era problema, começaria com 4 contos e ao fim do período experimental logo se veria. Ao fim de um ano, já ia nos 7 contos, o que à data era uma pequena fortuna.
Na gíria dos meus colegas de trabalho o homem era uma fera, metia medo aos homens e fazia chorar as mulheres. Talvez por causa do alemão que ambos falávamos no dia a dia, eu sempre me entendi bem com ele e nunca tive o menor problema. Sei que ele apreciou o meu trabalho e a única pena que me ficou foi ele ter sido despedido ao fim de dois anos. O patrão grande da Holanda tinha um filho que acabou o curso na universidade e precisava de um emprego em lugar de destaque. Ele veio e foi o meu chefe durante os 4 anos seguintes, os 4 piores que passei naquela empresa.
Depois desse, veio um director português, saído das fábricas têxteis falidas, no tempo da revolução, que 20 anos depois compraria a empresa aos holandeses e a geriria até à bancarrota. Não tanto por culpa dele, mas porque estava escrito que a Indústria de Confecções seria, muito em breve, banida do nosso país. Nesse tempo, era o leste europeu, a Índia e a China que tinham preços de mão de obra capaz de satisfazer os grandes importadores europeus e nós passámos à História.
Entretanto, já se passaram 52 anos, muita gente morreu e outros nasceram para tomar o seu lugar. Nessa altura eu só tinha uma filha de 2 anos de idade e hoje já tenho netos de maioridade.
Viva o 2 de Agosto e a vida continua! Espero que dentro de um ano possa voltar aqui e comemorar convosco esta efeméride!!!