sábado, 27 de fevereiro de 2016

A Neve!

Está a nevar um pouco por todo o Portugal, de modo que se justifica que eu aborde o tema. Até porque não quero pôr em risco o emprego que tenho actualmente, o que poderia acontecer se os meus clientes me acusarem de estar a preguiçar esquecendo os assuntos da ordem do dia. Ora bem, vamos em frente que atrás vem gente!
A subida do Marão, entre Amarante e Vila Real, é talvez a estrada portuguesa mais afectada e que mais contratempos origina a quem a utiliza, quando cai neve em quantidade considerável, tal como aconteceu ontem. Pois vou dar-vos uma notícia em primeira mão e podem vendê-la ao mundo inteiro pelo preço que quiserem e a mim não têm que me pagar nada. Este ano de 2016 é o último em que os problemas causados pela neve no Marão nos dão dor de cabeça. No próximo inverno, 2016/2017, vamos meter a cabecinha debaixo do chão, como fazem as toupeiras, e a neve que se lixe, que vá chatear outro.


E já sabem porquê, não é verdade? Dentro de um mês, o tão falado «Túnel do Marão» estará pronto e durante o verão já estará aberto ao trânsito. E pode contar comigo para a inauguração, pois lá estarei, logo que abra, para contribuir com 2 ou 3 euros (dependendo do preço de portagem que vier a ser aprovado) para a remissão da dívida constituída para a sua construção. É assim a nossa vida, a obra está feita e agora alguém tem que a pagar.
E aproveito para vos contar duas aventuras em que me vi enterrado em neve até às orelhas e a minha deusa da sorte me ajudou a safar da enrascada.
A primeira aconteceu em França, perto da cidade de Chamonix, à saída do «Túnel do Monte Branco». O meu filho tinha sido levado para a Suíça por um "amigo" que lhe prometeu trabalho e depois o deixou abandonado no aeroporto, mal aterrou. O rapaz que não é burro nenhum pôs-se em contacto com um amigo (a quem já tinha contado que estava a caminho) que morava ali na zona e foi por ele resgatado e levado para sua casa.
Aconteceu que na semana seguinte eu tive que viajar para Milão, em serviço da minha empresa, e com a noite de sábado e o dia de domingo completamente livres, pus-me a caminho da Suíça mal me passaram para as mãos as chaves do carro de aluguer que me tinham destinado. Do aeroporto de Milão rumo ao túnel que atravessa os Alpes e vai sair na citada cidade de Chamonix. Era perto da meia noite quando ali cheguei, caía uma chuva miudinha e não se via vivalma.
De repente aparece-me na berma direita uma plaquinha com a palavra Suisse e uma seta a apontar para a direita. Por aqui é que é o caminho, pensei eu, e, em frente marche, lá fui eu ao encontro do meu rebento. A estrada estava coberta por uma fina camada de neve, mas como ia descendo em direcção ao vale, eu não estava muito preocupado. Alguns quilómetros à frente comecei a atravessar uma pequena aldeia e apareceu-me uma figura a fazer sinal para parar.
- Para onde vai, perguntou-me.
- Para a Suíça, respondi eu.
- Olhe que não vai conseguir passar, há muita neve.
- Vou arriscar, pois é muito longe para dar a volta ao lago e já é muito tarde.
- O risco é seu, disse ele e virou-me as costas.
Engatei a primeira, senti o carro resvalar um pouco, mas lá segui o meu caminho. Não andei mais que 5 quilómetros e vi-me rodeado de neve por todos os lados, inclusivé por baixo dos pneus. Andar de marcha atrás, sem visibilidade alguma, era impensável e inverter a marcha era pouco menos que impossível. Saí do carro, andei uns 50 metros a pé e vi uma entrada de uma propriedade que talvez desse para meter a frente do carro e fazer a manobra.
E deu, mas fartei-me de suar, bati com o carro de frente e de traseira umas quantas vezes até o conseguir apontar de novo a Chamonix. E depois tive que contornar o lago, numa viagem que durou cerca de 3 horas, quando estava apenas a 30 quilómetros do meu destino. No dia seguinte, domingo, estava um sol radioso e pensei em meter-me por aquele caminho, no regresso, mas o amigo, em casa de quem o meu filho estava, desaconselhou-me de o fazer. A noite cai depressa, disse ele, e se ficas lá entalado perdes a hipótese de atravessar no Túnel de S. Gotardo que é encerrado a partir das 6 horas da tarde. Bom conselho e lá fui eu a caminho de Itália, pois tinha uma semana de trabalho pela frente e aí não podia arriscar.
A outra aventura aconteceu na Serra da Estrela. Trabalhei todo o dia de segunda-feira na vila de Seia e lá pernoitei para seguir para a Covilhã na manhã seguinte. Quando me pus ao volante do carro e apontei para a serra, veio logo um GNR ter comigo avisando que a estrada estava fechada.
- E como está a estrada da Guarda, perguntei eu.
- Fechada também, foi a resposta pronta.
- Então como raio chego à Covilhã, pois tenho gente à minha espera?
- Pela estrada da Loriga nem pensar, pois essa deve estar coberta de neve e nem fiscalização tem.
- Então, que solução me resta?
- Vá até Coimbra, de lá até Castelo Branco e depois, pelo sul, consegue chegar à Covilhã.
Com as estradas que tínhamos naquele tempo precisaria de um dia inteiro para fazer essa viagem e não me estava a agradar a solução. Como o dia já estava perdido e teria que adiar para o dia seguinte as entrevistas que marcara, pensei em fazer uma tentativa e aproveitar para ver neve a sério. Subi até à vila da Loriga que fica numa cota já bastante elevada e fui informar-me com o pessoal de lá sobre as hipóteses de conseguir atravessar a serra por aquele lado.
Disseram-me que não era aconselhável, que as escolas estavam fechadas e a camioneta da carreira tinha cancelado a viagem, só o padeiro tinha feito a sua rotina habitual na distribuição do pão. Consegui saber onde estava e fui falar com ele que devia ser a pessoa que melhor conhecia as estradas das redondezas.
- Tenho que ir para a Covilhã, acha que consigo passar?
- Não é fácil, disse ele, mas se conseguir subir a ladeira de ... (deu um nome ao local que eu não recordo) ... é capaz de lá chegar.
- E se não conseguir, tenho hipótese de voltar para trás?
- Se não ficar atascado, sim. E se ficar, o melhor é pôr-se a caminho e regressar a pé, pois não anda ninguém na estrada para o ajudar.
Aventureiro como sou, meti-me a caminho, já a contar com a marcha forçada de cerca de 8 quilómetros que teria que fazer se as coisas corressem mal. Para conduzir na neve há duas coisas essenciais, esquecer o travão e a pressa. Engata-se a primeira e, logo que possível, passa-se para a segunda e mãos firmes no volante. Assim subi aquela ladeira até ao topo sem uma única hesitação. E de tal maneira fiquei confiante que me esqueci que o pior estava pela frente. A neve na estrada estava cada vez mais alta e, escorregando de uma berma até à outra, lá fui subindo a caminho do Alto das Pedras Lavradas. A estrada desemboca num largo, onde existe um entroncamento com a estrada que vem de baixo, de Vide. Eu sabia que havia uma placa central em cimento que separava as duas estradas e teria que seguir pela esquerda, até ultrapassar o cruzamento de Vide. Só que todo o local estava tapado com neve, com perto de 20 centímetros de altura e não se via nada.
Como estava num local plano e o sol tinha aparecido, eu estava todo optimista e confiante que sozinho ou coma ajuda de alguém que viesse de Vide conseguiria sair dali. Parei o carro, sem desligar o motor, e fui dar uma volta para ver se conseguia perceber se a estrada que seguia para a Covilhã estava livre de neve. Como fica numa encosta virada a sul, é raro ficar coberta de neve. E assim acontecia, de facto. Aí uns cem metros à frente do local onde me encontrava, via-se o alcatrão limpinho e seco como num dia de verão.
Meti-me dentro do carro, acelerei, patinei, recuei, avancei de novo, mastiguei neve até dizer chega, mas ao fim de 20 minutos rolava por ali abaixo, a caminho de Unhais da Serra, sem mais percaço algum. Ainda fui almoçar à Covilhã e, durante a tarde, recuperei o trabalho que não tinha feito de manhã.
- Por onde vieste, se todas as estradas estão fechadas, perguntavam eles.
- Pela estrada da Loriga e Pedras Lavradas, respondia eu.
- Isto é que ele é maluco! Era esse o comentário que ouvia e tinha que dar-lhes razão.

4 comentários:

  1. Aventureiro se aventurou a enfrentar a neve,
    o fez com habilidade, porque foi fuzileiro
    em lume branco, dentro da panela a água ferve
    por isso merecias ser condecorado companheiro!

    Longa viagem fizeste,
    para até aqui ter chegado
    por isso é que não te esqueces
    desse tempo bem ou mal passado!

    Fizeste um grande lavra,
    sem terra teres lavrado
    circulaste pela estrada
    nela não ficaste enrascado.

    Dessa aventura foste herói,
    não te metas agora noutra
    porque a dor tanto mais dói
    no mundo cada vez mais louca!


    Diz tu, do túnel Marão,
    quando for inaugurado
    para dares a tua opinião
    como cidadão bem comportado
    estarás presente na inauguração!

    Tenhas um bom fim de semana,
    com a chuva, com a neve, com o sol,
    na companhia de quem te aquece os pezinhos!

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  2. Corrijo: Fizeste um grande lavra, para fizeste uma grande lavra! Diz tu, para dizes tu.

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  3. Muito interessante este relato das suas aventuras na neve. Adorei ler.
    Um abraço e bom Domingo

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  4. Interessantes aventuras, mas eu prefiro com sol nas minhas praias!

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