Está a nevar um pouco por todo o Portugal, de modo que se justifica que eu aborde o tema. Até porque não quero pôr em risco o emprego que tenho actualmente, o que poderia acontecer se os meus clientes me acusarem de estar a preguiçar esquecendo os assuntos da ordem do dia. Ora bem, vamos em frente que atrás vem gente!
A subida do Marão, entre Amarante e Vila Real, é talvez a estrada portuguesa mais afectada e que mais contratempos origina a quem a utiliza, quando cai neve em quantidade considerável, tal como aconteceu ontem. Pois vou dar-vos uma notícia em primeira mão e podem vendê-la ao mundo inteiro pelo preço que quiserem e a mim não têm que me pagar nada. Este ano de 2016 é o último em que os problemas causados pela neve no Marão nos dão dor de cabeça. No próximo inverno, 2016/2017, vamos meter a cabecinha debaixo do chão, como fazem as toupeiras, e a neve que se lixe, que vá chatear outro.
E já sabem porquê, não é verdade? Dentro de um mês, o tão falado «Túnel do Marão» estará pronto e durante o verão já estará aberto ao trânsito. E pode contar comigo para a inauguração, pois lá estarei, logo que abra, para contribuir com 2 ou 3 euros (dependendo do preço de portagem que vier a ser aprovado) para a remissão da dívida constituída para a sua construção. É assim a nossa vida, a obra está feita e agora alguém tem que a pagar.
E aproveito para vos contar duas aventuras em que me vi enterrado em neve até às orelhas e a minha deusa da sorte me ajudou a safar da enrascada.
A primeira aconteceu em França, perto da cidade de Chamonix, à saída do «Túnel do Monte Branco». O meu filho tinha sido levado para a Suíça por um "amigo" que lhe prometeu trabalho e depois o deixou abandonado no aeroporto, mal aterrou. O rapaz que não é burro nenhum pôs-se em contacto com um amigo (a quem já tinha contado que estava a caminho) que morava ali na zona e foi por ele resgatado e levado para sua casa.
Aconteceu que na semana seguinte eu tive que viajar para Milão, em serviço da minha empresa, e com a noite de sábado e o dia de domingo completamente livres, pus-me a caminho da Suíça mal me passaram para as mãos as chaves do carro de aluguer que me tinham destinado. Do aeroporto de Milão rumo ao túnel que atravessa os Alpes e vai sair na citada cidade de Chamonix. Era perto da meia noite quando ali cheguei, caía uma chuva miudinha e não se via vivalma.
De repente aparece-me na berma direita uma plaquinha com a palavra Suisse e uma seta a apontar para a direita. Por aqui é que é o caminho, pensei eu, e, em frente marche, lá fui eu ao encontro do meu rebento. A estrada estava coberta por uma fina camada de neve, mas como ia descendo em direcção ao vale, eu não estava muito preocupado. Alguns quilómetros à frente comecei a atravessar uma pequena aldeia e apareceu-me uma figura a fazer sinal para parar.
- Para onde vai, perguntou-me.
- Para a Suíça, respondi eu.
- Olhe que não vai conseguir passar, há muita neve.
- Vou arriscar, pois é muito longe para dar a volta ao lago e já é muito tarde.
- O risco é seu, disse ele e virou-me as costas.
Engatei a primeira, senti o carro resvalar um pouco, mas lá segui o meu caminho. Não andei mais que 5 quilómetros e vi-me rodeado de neve por todos os lados, inclusivé por baixo dos pneus. Andar de marcha atrás, sem visibilidade alguma, era impensável e inverter a marcha era pouco menos que impossível. Saí do carro, andei uns 50 metros a pé e vi uma entrada de uma propriedade que talvez desse para meter a frente do carro e fazer a manobra.
E deu, mas fartei-me de suar, bati com o carro de frente e de traseira umas quantas vezes até o conseguir apontar de novo a Chamonix. E depois tive que contornar o lago, numa viagem que durou cerca de 3 horas, quando estava apenas a 30 quilómetros do meu destino. No dia seguinte, domingo, estava um sol radioso e pensei em meter-me por aquele caminho, no regresso, mas o amigo, em casa de quem o meu filho estava, desaconselhou-me de o fazer. A noite cai depressa, disse ele, e se ficas lá entalado perdes a hipótese de atravessar no Túnel de S. Gotardo que é encerrado a partir das 6 horas da tarde. Bom conselho e lá fui eu a caminho de Itália, pois tinha uma semana de trabalho pela frente e aí não podia arriscar.
A outra aventura aconteceu na Serra da Estrela. Trabalhei todo o dia de segunda-feira na vila de Seia e lá pernoitei para seguir para a Covilhã na manhã seguinte. Quando me pus ao volante do carro e apontei para a serra, veio logo um GNR ter comigo avisando que a estrada estava fechada.
- E como está a estrada da Guarda, perguntei eu.
- Fechada também, foi a resposta pronta.
- Então como raio chego à Covilhã, pois tenho gente à minha espera?
- Pela estrada da Loriga nem pensar, pois essa deve estar coberta de neve e nem fiscalização tem.
- Então, que solução me resta?
- Vá até Coimbra, de lá até Castelo Branco e depois, pelo sul, consegue chegar à Covilhã.
Com as estradas que tínhamos naquele tempo precisaria de um dia inteiro para fazer essa viagem e não me estava a agradar a solução. Como o dia já estava perdido e teria que adiar para o dia seguinte as entrevistas que marcara, pensei em fazer uma tentativa e aproveitar para ver neve a sério. Subi até à vila da Loriga que fica numa cota já bastante elevada e fui informar-me com o pessoal de lá sobre as hipóteses de conseguir atravessar a serra por aquele lado.
Disseram-me que não era aconselhável, que as escolas estavam fechadas e a camioneta da carreira tinha cancelado a viagem, só o padeiro tinha feito a sua rotina habitual na distribuição do pão. Consegui saber onde estava e fui falar com ele que devia ser a pessoa que melhor conhecia as estradas das redondezas.
- Tenho que ir para a Covilhã, acha que consigo passar?
- Não é fácil, disse ele, mas se conseguir subir a ladeira de ... (deu um nome ao local que eu não recordo) ... é capaz de lá chegar.
- E se não conseguir, tenho hipótese de voltar para trás?
- Se não ficar atascado, sim. E se ficar, o melhor é pôr-se a caminho e regressar a pé, pois não anda ninguém na estrada para o ajudar.
Aventureiro como sou, meti-me a caminho, já a contar com a marcha forçada de cerca de 8 quilómetros que teria que fazer se as coisas corressem mal. Para conduzir na neve há duas coisas essenciais, esquecer o travão e a pressa. Engata-se a primeira e, logo que possível, passa-se para a segunda e mãos firmes no volante. Assim subi aquela ladeira até ao topo sem uma única hesitação. E de tal maneira fiquei confiante que me esqueci que o pior estava pela frente. A neve na estrada estava cada vez mais alta e, escorregando de uma berma até à outra, lá fui subindo a caminho do Alto das Pedras Lavradas. A estrada desemboca num largo, onde existe um entroncamento com a estrada que vem de baixo, de Vide. Eu sabia que havia uma placa central em cimento que separava as duas estradas e teria que seguir pela esquerda, até ultrapassar o cruzamento de Vide. Só que todo o local estava tapado com neve, com perto de 20 centímetros de altura e não se via nada.
Como estava num local plano e o sol tinha aparecido, eu estava todo optimista e confiante que sozinho ou coma ajuda de alguém que viesse de Vide conseguiria sair dali. Parei o carro, sem desligar o motor, e fui dar uma volta para ver se conseguia perceber se a estrada que seguia para a Covilhã estava livre de neve. Como fica numa encosta virada a sul, é raro ficar coberta de neve. E assim acontecia, de facto. Aí uns cem metros à frente do local onde me encontrava, via-se o alcatrão limpinho e seco como num dia de verão.
Meti-me dentro do carro, acelerei, patinei, recuei, avancei de novo, mastiguei neve até dizer chega, mas ao fim de 20 minutos rolava por ali abaixo, a caminho de Unhais da Serra, sem mais percaço algum. Ainda fui almoçar à Covilhã e, durante a tarde, recuperei o trabalho que não tinha feito de manhã.
- Por onde vieste, se todas as estradas estão fechadas, perguntavam eles.
- Pela estrada da Loriga e Pedras Lavradas, respondia eu.
- Isto é que ele é maluco! Era esse o comentário que ouvia e tinha que dar-lhes razão.