O pobre do Sr. Silva ficou viúvo e os filhos incapazes de coordenar a sua vida de trabalho com a dele que só lhes dava trabalho, enfiaram-no num lar. O velhote amuou e durante quase um mês não abriu a boca para falar fosse com quem fosse. O pessoal do lar armou-se de paciência e, ao fim de quase um mês, ele resolveu quebrar o silêncio e trocar umas palavras com os colegas de desgraça. Aos filhos e netos, durante esse período de greve, recusou-se, pura e simplesmente, a recebê-los, só à terceira visita tiveram ordem de entrada e mesmo assim os silêncios eram de cortar à faca.
Pus-me no lugar de velhote, afinal também eu sou o Sr. Silva cá de casa e poucos anos mais novo que este da história contada em jeito saramaguiano (deixa-me rir) e podia perfeitamente ter-me calhado o azar de ficar viúvo seguir o mesmo destino. Talvez não tivesse que recusar a visita dos meus filhos e netos, eles já aparecem tão pouco que talvez me isentassem desse papel de zangadinho da silva.
Leituras e livros à parte, a vida é um teatro em que nem sempre é fácil representar o papel que nos foi distribuído. Em miúdos somos dependentes dos pais e, não raras vezes, somos tratados à bofetada (por vezes merecidas), o que só quando chegamos à idade adulta compreendemos. Em velhos acabámos a embaraçar os filhos que só não nos tratam à bofetada por uma certa educação que lhes demos ou algum amor que foram capazes de cultivar no coração, enquanto partilhavam a sua vida com a nossa.
Estou a lembrar-me de um camarada fuzileiro que teve o azar de ficar viúvo, ainda novo, um tumor maligno roubou a vida à sua companheira de muitos anos e muitas andanças. Depois da vida de fuzileiro, ele ingressou na polícia e passou anos em Angola, a seguir a essa fase disse adeus à PSP e ingressou na Polícia Municipal do Porto, até à idade da reforma. Como reformado, regressou à sua terra natal, comprou um rebanho de ovelhas e foi fazer aquilo que fazia quando saiu da Escola primária.
A mulher acompanhou-o para todo o lado, veio de Trás-os-Montes para a cidade grande, foi com ele para Angola, viveu muitos anos no Porto e regressou depois a Trás-os Montes, como quem fecha um círculo, e passou o resto da sua vida a cozinhar as refeições do seu marido-pastor, até que a doença a levou. Os filhos tinham emigrado, salvo erro um estava em França e o outro na Alemanha. Vieram os dois ao funeral da mãe e regressaram aos países de acolhimento sozinhos, o pai recusou-se a acompanhá-los. Talvez tenha preferido ficar a curtir as suas mágoas sozinho, ou talvez não quisesse o encargo de escolher entre os dois filhos. Ficar um período ora com um, ora com o outro, era capaz de ser ainda mais inconveniente para todos. Se eu estivesse no lugar dele, talvez fizesse o mesmo.
Um velho sentado num canto a olhar para a televisão, enquanto os filhos vão trabalhar e os netos vão para a escola, não se me afigura um quadro muito agradável. Pensando de novo no assunto, eu era mesmo capaz de ter preferido ficar em Trás-os-Montes e esquivar-me a aprender francês ou alemão para me entender com os netos, já que eles de português pouco percebem. Os pais bem os tentaram ensinar, mas a convivência com os colegas de escola falou mais alto.
Deus me livre e guarde, viúvo não quero ficar, prefiro que seja a minha mulher a chorar e amargar a viuvez, afinal (como ela às vezes deixa escapar), eu só lhe dou trabalho e em morrendo livro-a do encargo. Mas se me calhar a mim a sorte de ficar sozinho, vou ali abaixo a um restaurante de uns filhos da minha terra, comer a diária ao almoço, e faço uma panelinha de sopa para o jantar que deve dar para dois dias. Uma sandes, uns rissóis, ou bolinhos de bacalhau e um copo de tinto, depois a sopinha e, sem fome a roer-me as tripas, serei um homem feliz!
Bom dia
ResponderEliminarEste Natal recebi uma prenda do meu neto que acho não me lembrar de alguém o ter feito ou seja um livro.
tem por título " Assassinos da lua das flores " de David Grann .
Fala do assassínio dos índios "Osage" e do nascimento do FBI.
Estou a gostar .
JR
Interessante história do camarada fuzileiro... Dificil arrancar os velhotes para morarem com os filhos emigrados. Comigo passou-se o mesmo. Quanto a leituras... só mesmo traveling magazines.
ResponderEliminarIsto só lido, contado ninguém acredita!!
ResponderEliminarEntre muitas outras coisas que nem vou referir, primeiro não se quer viúvo - e que Deus lhe faça a vontade, claro - depois, se tal acontecesse, ( o Diabo seja cego surdo e mudo ) com o almocinho garantido ali no restaurante dos conterrâneos, a sopinha ao jantar, mais uns rissóis de camarão, um copo de tinto para empurar e levaria o resto da viuvez feliz da vida!...
- Como se chama a sua mulher, Tintinaine?
Quero mandar-lhe uma SMS...Greve ao Tacho!!