quinta-feira, 16 de março de 2023

Por caminhos e carreiros!


 Este é o nome do primeiro capítulo das minhas memórias que já comecei a escrever, mas não garanto que algum dia vejam a luz do dia. 

Eu não sou como o Saramago que escreve tudo ao molho, nem o ponto final usa no fim de cada período, prefere a vírgula, e começa com letra maiúscula a seguir à dita vírgula. Os meus professores ensinaram-me que as histórias se dividem em capítulos, de preferência com um título alusivo ao teor da mensagem, em parágrafos que devem englobar e limitar cada tema abordado e em períodos que devem ser tão curtos quanto possível, mas contenham um sentido que se compreenda com facilidade.

Por isso, escolhi o nome «Por caminhos e carreiros» que resume os primeiros 11 anos da minha vida que foi tudo menos simples e sossegada. A narrativa começa com a minha entrada para a Escola primária, acontecida no dia 7 de Outubro de 1950, tinha eu 6 anos, 6 meses e 28 dias (parafraseando o Nogueira da Fenprof), pois que antes disso pouco significado teve e não seria capaz de o descrever. Diz a ciência que só recordaremos as coisas acontecidas depois dos 7 anos, excepção feita a acontecimentos muito marcantes que ficam gravados a fogo no nosso subconsciente.

Viram como eu respeitei as regras, usando as vírgulas, os pontos finais e dividindo os parágrafos em períodos com oração principal e subordinadas, toas com o sujeito e o predicado bem notório. Tomara o Zé da Azinhaga escrever assim, como eu o faço. Não teve quem o ensinasse, era um auto-didacta, mas escreveu tanto que convenceu a academia a atribuir-lhe o Nobel. Que bom para ele e para a Pilar que continua no bem bom à custa do que ele escreveu.

Mas voltando à vaca-fria, ou seja, a mim mesmo que sou o herói desta narrativa, entrei para a escola da freguesia vizinha daquela onde eu morava, porque a professora da minha freguesia disse que tinha alunos demais na 1ª Classe e quem não tivesse completado os 7 aninhos teria que esperar para o ano seguinte. Talvez ela estivesse cheia de razão, mas atrasou a minha vida e nunca mais a pude ver, por causa disso.

O caminho que ligava a minha casa à escola, na prática, não existia. O percurso começava com 500 metros de estrada, seguido de 500 metros de um caminho destinado a carros de bois que no inverno se enchia de água e tornava impraticável. A partir daí era um carreiro por entre pinheirais que me levava até à primeira casa da freguesia vizinha. Para atalhar caminho, atravessava um campo e tomava, a partir daí, outro carreiro que me levava até à porta do lavrador que não gostava nada de me ver por ali. Não era bem eu que provocava as suas queixas, é que havia muitas outras pessoa que faziam o mesmo que eu.

Este lavrador tinha sempre a porta aberta, de modo a facilitar o movimento de carros (de bois, claro) de alfaias agrícolas e dos animais que todos os dias saíam para o campo, fosse para trabalhar ou encher a pança. Ao lado da porta, tinha um canzarrão que fiscalizava as entradas e saídas, desconhecidos não passavam daquele ponto. Eu sabia que o cão estava preso, mas borrava-me de medo pensando na hipótese de ele rebentar o cadeado que o prendia à porta. É que os puxões eram tantos e de tal ordem que me parecia impossível que o cadeado continuasse a resistir.

Não vos vou fazer perder tempo a ler as mil e uma habilidades que eu usava para passar aquele obstáculo. Um dos filhos da casa era o meu colega de carteira e uma espécie de menino protegido da professora Delfina que morava na casa pegada à sua. Talvez por isso nunca nos demos bem e quando lhe falei em esperar por mim para seguirmos juntos até à escola, respondeu-me com um sorriso de desprezo. A única zaragata que protagonizei naquela escola foi com ele e por causa do tinteiro, onde ambos molhávamos a pena para escrever o a-e-i-o-u. Alguém se lembra ainda desses tinteiros de porcelana, redondinhos e encastoados no centro da carteira? Pois esse tinteiro acabou vazio de tinta e nós os dois a escorrer tinta das mãos e dos cadernos inutilizados.

Esqueci-me de referir que o rapaz se chamava Lícinio, o mesmo nome de um grande amigo que fiz na Marinha, muitos anos depois desses acontecimentos. A D. Delfina era também grande amiga da minha mãe - por isso tinha feito o favor de me matricular na sua escola para eu não perder um ano - e foi avisada para me dar uma reprimenda, ou melhor dizendo, umas chineladas no traseiro para me meter juízo na cabeça. Um irmão do Licínio foi estudar para o Seminário de Braga e, por essa razão, cruzámo-nos várias vezes, ao longo da vida, mas a ele nunca mais o vi, depois de abandonar aquela escola.

Neste ponto da narrativa, ainda nem aos 7 anos de idade tinha chegado, mas vou ficar por aqui, pois falta muito para o fim do capítulo e vocês devem ter coisas mais importantes para fazer do que ler o texto escrito por este fraco narrador.

Bye-bye and be happy !!!


4 comentários:

  1. Li, gostei e não me cansei!
    Gosto de leituras auto-biográficas de gente anónima.
    Se for de famosos já não me cativam.
    Fico, portanto, à espera da continuação.

    Esse colega de carteira, filho do tal caseiro e protegido da professora Delfina, merecia uma lição de humildade para deixar de ser ranhoso.
    Mas agora já é tarde para isso.
    Bom, lembro-me dos tinteiros, claro, mas eu fui muito feliz na escola primária. Tive muita sorte com a minha professora.
    Voltando ao tal Licínio - ( ou eu ando a cer mal ou este texto sofreu um acrescento desde que o li há pouco ), lembrei-me de um poema que decorei desde a infância e até ensinei ao meu neto João - se bem duvide que ele ainda se lembre - Quem sabe o autor desta narrativa também o conheça. Ora leia e veja, sff.

    "Olhem, lá vai o Gonçalo a caminho da escola - Além!
    Vamos depressa apanhá-lo, vamos com ele também.

    Tem sido meu companheiro da primeira à quarta classe
    Pontual como o primeiro, nunca vi que ele faltasse.

    É bondoso, aplicado, cortez e respeitador
    Por isso é tão estimado pelo nosso professor

    Não é tolo nem se gaba de saber sempre as lições
    Conforme começa, acaba, - modesto, sem pretensões.

    Lá vai nunca se demora no caminho a conversar
    Chega sempre antes da hora, é um aluno exemplar.

    Rapazes; vamos a ver se podemos imitá-lo
    Se sabemos proceder, em tudo, como o Gonçalo!"


    See you soon and be happy too !!

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    1. Gostei do comentário e prometo que, um dia destes, volto ao assunto. Gostava de ser como o Gonçalo, mas não lhe chego aos calcanhares.

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  2. Bom dia
    Uma forma muito original de contar as suas memórias.
    Fez-me também recordar algumas das minhas . Vou com certeza acompanhar os próximos capítulos .

    JR

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