quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Agricultura no Minho!


 Nasci no mundo rural do Baixo Minho, aquele que faz fronteira com o distrito do Porto. No tempo dos meus avós que foram também eles lavradores, as culturas principais eram o milho e o vinho. A riqueza das pessoas media-se "carros de pão" e "pipas de vinho". As pessoas da minha idade, mas nem todas, ainda sabem o significado dessas palavras, mas os meus netos arregalariam os olhos de estupefacção se lhes fizesse a pergunta. Para eles, pão é o que se compra na padaria e o vinho em garrafas nos super ou hipermercados.

E lembrei-me disto, porque a seguir ao S. Martinho, em que o vinho já repousa no fresco ambiente das adegas e o milho está guardado a bom recato para não ser atacado pelo gorgulho, os agricultores entravam num tempo mais calmo, sem grandes correrias ou aflições. Depois da ceifa do milho a terra era lavrada e semeada com erva para alimentar o gado e dar origem a feno para guardar para o inverno seguinte. As videiras ficavam à espera da poda e amarração, mas isso fazia-se nas calmas até fim de fevereiro ou meados de março. Ou seja, até chegar à semana santa havia pouco que fazer e descansar bastante para a próxima corrida que começaria daqui a instantes.

E depois de soar o tiro de partida que dependia em larga medida das condições atmosféricas, ninguém mais parava até chegar ao S. Miguel, padroeiro das boas (ou más) colheitas, lá bem no fim de setembro. Era levantar antes de o sol nascer e deitar perto da meia noite. Ia-se para o campo em jejum e por volta das 8 horas aparecia lá uma criada com o açafate cheio do que servia para matar a fome. O que por vezes não era muito, às vezes umas migas de broa de milho com cebola estalada em água a ferver.

A meio da manhã, uma côdea de broa com meia dúzia de azeitonas (se as houvesse) e um copo de água-pé. Um almoço engolido a correr e a merenda, a meio da tarde, que era uma repetição do lanche matutino. À noite, o jantar à volta da lareira e com o corpo já a pedir descanso, mas havia ainda tarefas por fazer. Os animais que ajudavam a puxar os carros e moverem as alfaias agrícolas também precisavam de ser cuidados e alimentados e só depois disso vinha o período de descanso que era sempre mais curto do que o corpo pedia.

Com o passar dos anos os costumes foram mudando, a indústria veio, em larga medida, substituir os trabalhos agrícolas, levaram as pessoas para mais próximo das cidades, ou para dentro delas, e começaram a surgir, aqui e ali, campos abandonados. A partir do fim do século, as indústrias que tinham nascido, depois da II Grande Guerra, e vivido da mão de obra barata, deslocaram-se em direcção aos países do sol nascente, em que a fartura de mão de obra a mantinha em preços acessíveis.

E os envelhecidos agricultores do Baixo Minho foram obrigados, pela segunda vez em poucos anos, a mudar de vida. Voltar ao tempo do pão e do vinho era impossível e optaram, em vez disso, por criar vacas leiteiras - fartam-se, agora, de barafustar, porque o preço do leite não dá para viverem como gostariam - e cultivar frutas e legumes em estufas que cobrem muitos hectares. Semear erva, durante o inverno, e milho para silagem, durante o verão, é tudo o que fazem os lavradores que escolheram as vacas leiteiras em vez da horticultura.

Esse tipo de agricultura ocupa apenas o pai e a mãe, os filhos vão estudar até fazerem 18 anos, idade em que é já impossível ensinar o corpo a "dobrar a espinha". Não me perguntem a mim o que vai fazer essa gente toda, com muitos estudos e pouca vontade de trabalhar, pois não vos sei responder. Os trabalhos agrícolas terão que continuar a ser feitos, sob risco de morrermos todos à fome, mas para isso teremos os tais trabalhadores baratos que vêm dos países do sol nascente, porque lá a vida se lhes tornou impossível.

E a Terra continua a girar à volta do Sol até que o nosso Criador (porque ele existe, não tenham a menor dúvida disso) a mande parar e então, plim, plim, plim, nos transformaremos em poeira a vogar no espaço celeste!





3 comentários:

  1. Bom dia
    Mais um texto com palavras sábias onde sempre se aprende algo de útil.

    JR

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  2. Isso das 'criadas' aparecerem com os açafates de broa e tal, era para quem trabalhava por conta de outrem, não é verdade?
    Vida dura, essa, mas os trabalhadores rurais no Alentejo também tinham várias etapas penosas, durante o ano.
    Lembro-me das minhas primas mais velhas, falarem, combinando entre si, irem ao "rebusco" da azeitona. E chegavam a trazer vários quilos, da que ficava esquecida ou perdida, no varejo. Mas isto era por gosto, enquanto o trabalho das mães era 'a sério'.
    Eu era pequenita e virada para as Letras... ;)

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  3. A última vez fui à Metrópole percorri bem o Baixo Minho. Com o Papa em Lisboa desisti de pagar quantias exorbitantes pela hospedagem. Uma zona com grande potencial e gastronomia a condizer.

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