domingo, 1 de maio de 2016

Uma rosa para a minha avó!

Perdoem-me a heresia, mas «a minha verdadeira mãe foi a minha avó». Da minha avó recordo tudo aquilo que de bom recordo da infância, da minha mãe recordo apenas os tabefes que me "afinfava" cada vez que me apanhava a jeito. Pela quantidade de vezes que isso acontecia, eu devia ser uma boa bisca!
Cedo comecei a ter pé ligeiro e sempre que via as coisas ficarem pretas para o meu lado, pisgava-me mais depressa que o tempo que demoro a contá-lo. Por vezes seguia-me um chinelo voador que pretendia aplicar-me o castigo que a minha mãe me reservava, mas que não me apanhava a jeito.
A minha mãe tinha um atelier de costura, onde trabalhavam meia dúzia de aprendizes e as minhas duas irmãs mais velhas. Ela tinha que dar ao pedal, sem descanso, para ver se conseguia dar de comer a tanta boca esfaimada. A minha avó era a cozinheira de serviço, lavava a roupa e tratava dos netos. Eu era o mais velho, o rei do pedaço e tinha tempo para chatear toda a gente. Mesmo assim, estou convencido que era o neto predilecto da minha avó.
Nem vos conto os mil e um carinhos que ainda hoje recordo que ela me dispensava. Um, em especial, não há maneira de esquecer. Um grande barracão de telha vã servia-nos de cozinha, sala de jantar e dormitório. Do lado norte, uma pia para lavar a loiça, a lareira enorme em cima de uma laje de granito e o forno para cozer o pão. Ao cento, do lado nascente, a masseira e, do lado poente, a mesa onde tomávamos as refeições. Do lado sul e encostado à parede, logo a seguir à masseira, havia um catre, onde dormia eu e o meu irmão que era dois anos mais novo que eu. Encostado ao catre, uma cama , onde dormia a minha avó e as duas irmãs que se seguiam. Quando eu tinha 8 anos, tinha o meu irmão 6 e as raparigas 4 e 2. E já a minha avó ia nos 62. O catre era uma enxerga de colmo montada pelo meu pai, em cima de quatro tábuas de pinho, colocadas sobre dois cavaletes com meio metro de altura.
No inverno fazia um frio do caraças e para piorar as coisas, de vez em quando, lá acontecia um xixi, coisa mais que natural em crianças daquela idade. E ouvia-se, no escuro, a voz de um deles:
- Avó, tenho frio.
E lá se levantava a velhota, também ela cheia de frio com toda a certeza, ia até à lareira aquecer uma baeta de flanela que enfiava por baixo de nós para nos livrar do frio que entrava por baixo das telhas ao sabor do vento.
- Avó, tenho fome.
E lá nos metia ela um pedacito de broa de milho na mão, para enganar a fome até de manhã.
Quem pode esquecer isto?

2 comentários:

  1. Nunca irás esquecer os mimos do tua avó, nem o chinelo, da tua mãe, a voar atrás de ti, sem te certar no esqueleto! Pelo o que aqui contas, deverias ser um bom pardal?

    ResponderEliminar
  2. O carinho com que falas da tua avó, transporta-me para a minha meninice, quando, também eu, recebia todos os mimos e cuidados da minha avó. Único rapaz num universo de 5 netos, tinha um tratamento diferenciado . Obrigado queridas avós ! Suspeito que são/foram todas elas referências para seus netos.

    ResponderEliminar