segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Respiro, logo estou vivo!

 


Acordei cedo ou dormi pouco é mais ou menos a mesma coisa, mas como me deitei pelas 2 horas da matina a segunda afirmação está mais próxima da realidade.

Morreu muita gente, em Dezembro, eu felizmente, tive o privilégio de não fazer parte desse número e chegar vivo a Janeiro. A morte é uma coisa triste e faz verter lágrimas a muita gente, mas o nosso Ministro das Finanças fica contente, pois tem menos responsabilidades com as reformas a pagar.

Mas, hoje, pretendo escrever uma coisa alegre pelo que a morte não cabe aqui e peço que considerem o parágrafo anterior uma piada dirigida aos políticos de Portugal que é um país de velhos e assim continuará a ser segundo as previsões dos entendidos nessa matéria.

Tenho a absoluta certeza que, a esta hora matutina, há ainda muito boa gente que continua a divertir-se, com a garrafa de champanhe na mão e a dar vivas ao Ano Novo. Eu também já fui assim, quando a minha juventude funcionava como carburante para aguentar umas directas de cara alegre e ir trabalhar no dia seguinte, mas com as pestanas a pesar quilos e a dificultar-me a concentração.

A Alice era uma das costureiras que trabalhava na mesma empresa que eu. Um dia, entrei num bar de alterne, no Porto (nessa altura ainda lhe chamavam boites que era mais fino), e dei de caras com ela. Ela ficou meia embaralhada ao ver-me, mas não se descoseu, deu-me um beijo de leve no canto da boca e fez jus ao míster que ali a levara, sacar dinheiro aos clientes para enriquecer o gajo que lhe deu o emprego que, só por acaso, era um daqueles que formaram a equipa de anti-comunistas que andaram a espalhar bombas por aí, nos anos quentes do PREC.

Nessa altura, uma garrafa de espumante barato custava 400$00 e a alternadeira ficava com 80$00 para ela. A Alice, rapariga simpática, foi-me logo avisando que só tinha direito a meia hora, depois teria que ir chular outro. Eu já sei do que a casa gasta, não te preocupes comigo, és livre para levantar vela e partir quando quiseres. Tive direito a mais uma beijo, um pouquinho mais demorado, no canto da boca e fiquei sozinho a pensar na porca da vida.

O boteco fechava às 6 da manhã e deixei-me ficar por ali a ver que caminho a costureira tomava depois de sair. Nenhum amante secreto a veio buscar, pelo que fui eu a dar-lhe boleia para a cidade. Para onde, perguntei eu, pois não sabia onde ela morava. Vamos para o Farol, preciso de comer qualquer coisa para normalizar o meu estômago que está "assado" de tanto espumante empurrar pela goela abaixo. Não era bem a verdade, pois elas estavam treinadas para não beber muito, mas sim fazer os clientes beber. O balde que vinha cheio de gelo e a garrafa de "champanhe", voltava para dentro cheio de água e espumante que as raparigas para lá despejavam, mal apanhavam o cliente distraído. Bebe mais um pouco, querida, dizia o pendura enquanto lhe enchia o copo outra vez. Ela levava-o à boca, molhava os lábios e à mínima distração do seu cliente voltava a despejá-lo no balde.

Pois é, se não fosse assim como poderiam elas ganhar 10 vezes mais que na costura? Fiquei com ela no Farol até ser tarde demais para ir dormir, só passei por casa para fazer a barba e ala para o trabalho que o patrão não tolerava faltas. Naquelas quase duas horas que passámos juntos, ele lá me contou que não conseguia fazer face às despesas pessoais com o ordenado que a fábrica lhe pagava e fora obrigada a seguir o conselho de algumas "amigas" que tinham seguido pelo mesmo caminho. Não era coisa que lhe custasse muito fazer, dançar com os clientes, aguentar todo o tipo de apalpões e levar com um ou outro beijo meio lambuzado era tudo o que tinha que fazer. Um palminho de cara (que ela tinha) pouca roupa e muitas bugigangas que brilhassem com as luzes da pista de dança eram as ferramentas do ofício. Confessou-me que não lhe custou muito a habituar-se a essa rotina e o dinheiro que ganhava dava-lhe jeito para criar os filhos.

Eu mal tinha feito 30 anos e nessa idade fazem-se muitas asneiras, mas juro que essa foi uma das poucas vezes que deixei de dormir sem uma forte razão para isso. Agora, passados 50 anos, resta a recordação e sobra-me o tempo para dormir!

3 comentários:

  1. Bom dia
    Claro que está vivo.
    Recordar é viver !!

    JR

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  2. Para começar o ano nada como ler uma história tão familiar e já tão longe no tempo... Um Bom Ano para a Alice!

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  3. Olhem só do que o home se havia de "alimbrar" - como dizia a Herminía Silva - Isso é falta de dormir as 8 horas da praxe...
    Inventor que é inventor, não escolhe histórias, é o que calha!

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