A vida ensina-nos muita coisa, basta estarmos atentos aos sinais!
Nunca fui grande passeante, conduzi muitos quilómetros a admirar a paisagem da janela do meu carro, mas pôr as perninhas a bulir nunca foi uma prioridade. Passei a minha vida sentado e agora que sou reformado continuo, exactamente, no mesmo ritmo. Aliás, não poderia ser de outro modo, pois toda a vida fugi de dar movimento às pernas, agora são elas que não aceitam a minha voz de comando.
Esta observação faz-me recuar no tempo até ao ano em que arranjei o primeiro emprego, depois de uma vida de estudante. Tinha apenas 17 anos, mas já costumava refilar, quando as coisas não funcionavam como eu queria. Esse emprego consistia em apontar a produção de cada tecedeira, numa fábrica têxtil de Vila do Conde. Tinha um chefe, na casa dos trinta, e mais 4 colegas que se revezavam para cobrir os dois turnos da secção em que estávamos inseridos. O terceiro turno, da meia noite às 08H00, não funcionava na nossa secção.
O meu local de trabalho constava de uma grande mesa - cerca de 3 metros de comprimento por 1,5 de largura - onde as tecedeiras depositavam a carga que traziam em braços, o tecido que o seu tear tinha produzido no último turno. Para marcar o tecido com os dados que constavam da plaqueta que estava pendurada no tear e que a tecedeira trazia com ela sempre que se deslocava à nossa secção, nós usávamos uma enorme esferográfica que era carregada com um decilitro de tinta, daquele tipo que nunca mais sai do pano por mais que seja lavado.
As 9 horas de trabalho diário eram passadas com a barriga encostada à mesa e os cotovelos apoiados nela para poupar as pernas que, ao fim de umas poucas horas começavam a doer. Por vezes tinha uma bicha de 3 ou 4 tecedeiras esperando ser atendidas e depois disso podia passar 1 hora sem aparecer nenhuma, ou seja, uma "chatura" de trabalho. Numa dessas ocasiões em que estava parado e já me doiam as pernas, perguntei ao chefe: - porque temos que trabalhar em pé se sentados faríamos, exactamente, a mesma coisa?
O homem que já ali trabalhava há uma dúzia de anos e nunca lhe passara pela cabeça questionar o seu chefe, a respeito deste assunto, olhou para mim como se eu fosse uma ave rara e respondeu-me que não estando satisfeito podia ir-me embora, pois outro viria para o meu lugar em menos tempo do que eu levo a contar a história. Trabalhei ali durante 13 meses e depois entrei para a Marinha de Guerra Portuguesa.
Nunca me esqueci desta peripécia e no desempenho das minhas funções de chefe de secção sempre procurei dar aos meus trabalhadores as melhores condições para eles desempenharem as funções a que estavam obrigados. Se o podiam fazer sentados, nunca os obriguei a trabalhar em pé. Havia horas em que o trabalho era pesado, carregar e descarregar camiões, e nessa altura todos colaboravam no esforço para que os condutores não perdessem muito tempo.
Até eu que era o grande chefe colaborei nessas cargas/descargas para lhes incutir ânimo e acelerar a operação. Bons tempos esses em que as pernas me obedeciam! Eu tinha um escritório com 12 funcionários e um armazém com mais de mil metros quadrados para gerir. Andava de um lado para o outro de modo a que todo o mundo se sentisse vigiado e cumprisse as suas tarefas. Mas a maior parte do tempo era passada sentado à secretária, a atender telefonemas de meio mundo e a despachar papelada relacionada com o serviço.
Agora, limito-me a percorrer os 20 metros de trajecto entre a sala de estar e a cozinha, cada vez que soa o clarim avisando que é hora da refeição. A meio do percurso fica o quarto de dormir, onde passo umas horas, não muitas, entre a meia-noite e as 7 da matina. E até para percorrer estes 20 metros de ida e outros tantos de volta, as minhas pernas refilam que se farta!
E aí sinto-me subjugado por aquele dito popular que afirma que: - quem andou já não tem para andar!