Para mim, os 6 anos e meio de Marinha foram um tempo não às namoradas. Amigas queria muitas namoradas nem tanto, fiquei preso à minha primeira namorada, desde os 16 anos, acabando por caar com ela, logo que abandonei a Marinha e o tempo das amigas (coloridas).
Assim como os dois primeiros anos, em Moçambique, que passámos num marasmo autêntico à espera que começasse o "tal" terrorismo de que tanto ouvíramos falar e que nunca mais acontecia. Íamos sabendo do que se passava em Angola e esperávamos que não fosse nada que nos pudesse meter medo, quando chegasse a nossa vez de entrar em combate. A nossa juventude e a ânsia pela aventura não davam lugar ao medo. Algum receio sim, mas medo não.
Em teoria, faltava apenas um mês para regressarmos à Metrópole e retornarmos ao ambiente escolar na Escola de Fuzileiros, quando a FRELIMO resolveu abrir as hostilidades contra Portugal reclamando a independência de Moçambique. O Salazar não esteve pelos ajustes, só porque sim, e mandou-nos enfrentar o inimigo e mandar bala para cima dele.
Assim eu passei de um candidato a um regresso próximo a um combatente da Guerra Colonial que para mim começou nesse longínquo dia de 26 de Setembro de 1964, dia em que me meteram num Nord Atlas da PAP e me mandaram para o norte de Moçambique para enfrentar o inimigo e metê-lo na ordem. A maneira mais segura era meter-lhe uma bala no corpo e enterrá-lo no cemitério para que não voltasse a chatear, mas nunca estive em posição de o poder fazer.
Acabou o ano de 1964 sem ouvir um tiro, aqueles 3 meses do final do ano foram umas autênticas férias. No início de Janeiro do ano seguinte caiu-nos a bronca em cima. A PI DE tinha uma informação que haveria uma entrega de armas à Frelimo numa aldeia Nyanja perto da fronteira do Tanganika (ainda se chamava assim nessa altura) e foi enviada uma secção de combate da CF2 (9 homens armados com uma simples G3 e dois carregadores de munições) para estragar o negócio à Frelimo.
Um agente da PIDE e um Cipaio do Posto Administrativo acompanhavam a nossa força para mais terde reportarem o acontecido e ganhar uma medalha se a coisa corresse bem. Eu fazia parte dessa força, mas não tinha qualquer responsabilidade na sua condução. E caímos numa emboscada que nos podia ter custado a vida a todos, uns autênticos anjinhos que nos aproximamos da costa do lago Niassa a bordo de uma lancha de fiscalização cujos motores faziam um barulho infernal na quietude da natureza.
O inimigo emboscou-se, calmamente, entre as rochas da margem do lago e esperou por nós de armar apontadas e dedo no gatilho. Quando o tiroteio começou, ouvia-se claramente o matraquear de duas metralhadoras pesadas e o som mais franzino das AK47 que os turras empunhavam. Por um verdadeiro milagre não atingiram ninguém, durante o desembarque, e quando recebemos ordem de reembarcar só o Cipaio foi atingido por duas balas certeiras, enquanto trepava para bordo da lancha.
Eu esperava pela ordem de circundar o inimigo e apanhá-lo pelas costas, ou pô-lo a correr dali para fora, e já ia com os meus 3 acompanhantes a correr monte acima. O rádio que levava comigo a tiracolo nunca piou e, às tantas, ouvi o oficial que comandava a operação a gritar-me para regressar a bordo. Foi o que fiz e já com todos a bordo a fazer uma barreira de fogo de protecção, nós os 4 embarcámos sem qualquer problema.
E termino esta publicação de hoje com uma menção especial aos 3 camaradas que comigo completavam a segunda esquadra daquela secção de combate e que eu comandava por ser o mais antigo. O Mário que comigo faz parte dos que estão vivos, quase morreu afogado no malagueiro do rio Coina, durante a recruta e agarrou-se a mim com unhas e dentes para não ir ao fundo. Os outros dois, já falecidos, foram ambos alunos da fragata D. Fernando e Glória, fundeada no Tejo e nadavam como peixes. Foram eles que nos vieram ajudar e arrastar para a praia nadando contra a corrente da maré que vazava.
Nós os 4 formámos um grupo de grandes amigos e andámos sempre juntos enquanto durou a Marinha. Depois da comissão da CF2 e do Curso de 1º Grau, começou a nossa separação. Eu regressei a Moçambique com o Valter na CF8, o Floriano seguiu para a Guiné na CF9 e o Mário optou por abandonar a Marinha. Pouco tempo depois chegou a Lourenço Marques, como civil, à procura de emprego. Não cheguei a encontrar-me com ele, pois estava deslocado no norte da província.
O Floriano foi o único que seguiu a carreira militar e chegou a oficial, faleceu à cerca de 2 anos na sua Quarteira natal. O Valter ficou em Moçambique, como civil, quando acabou a comissão da CF8. Regressou a Portugal, depois da independência de Moçambique, e ficou a viver em Sines, sua terra natal e lá faleceu, vítima de cancro no cólon, há cerca de 4 anos. O Mário e eu continuamos na luta para ver quem é o último resistente!